Audiência Pública de Combate à Violência Política Contra Mulheres Negras ecoa o grito: “Não seremos silenciadas”

Comissão composta por mulheres busca garantir espaços de representação que sejam necessariamente seguros.

Manifestação contra corte de verbas na educação _ foto: Marcella Saraceni

Nesta segunda-feira (03) aconteceu a audiência pública sobre Violência Política Contra Mulheres Negras, realizada pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. O pedido da audiência foi feito pela deputada Talíria Petrone (Psol-RJ).

O encontro contou com o Representante da Comissão de Legislação Participativa, deputado Valdenor Pereira, que iniciou lendo algumas partes do requerimento. Entre os destaques está o fato da violência política como um fenômeno que atinge a todos aqueles que ocupam cargos eletivos em alguma medida. Com base em dados de pesquisa, Taliria afirma que essa questão atingiu um patamar inaceitável no Brasil, incindindo em ataques e mortes a parlamentares.

Outros dados relevantes são de que no último ano foram registrados 317 casos, entre eles a maioria foram assassinatos. Após as eleições de 2018 os números se agravaram. Além disso, mais de 63% das investigações em curso não tiveram os suspeitos do crime identificados, mas em todas as vezes que encontraram os agentes, esses eram do sexo masculino.

Oportunidades 

A professora da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas Lígia Fábris tocou no tema das oportunidades e necessidades de mulheres negras em espaços políticos, afirmando que a possibilidade de se alcançar esses lugares é um princípio básico da democracia, onde todas as pessoas por direito precisam ter acesso. Para ela, “é disso que se fala quando se fala na necessidade de mudar a representação existente de mulheres negras. As cotas são umas das necessidades existentes, porém não suficientes, para se fazer avançar a presença de mulheres negras na esfera política.”

Ainda seguindo nessa direção, a professora compartilhou que desde 1985, na conferência da ONU, onde foram consagrados os direitos principais das mulheres, e entre eles o da representação política, que 30% das candidaturas foram reservadas para mulheres.
Ela reitera que esses 30% é o mínimo estabelecido na nossa legislação, que essas mulheres precisam ser qualificadas, e qualquer número menor do que esse significa automaticamente um retrocesso; pois se trata de um compromisso inicial, da onde se parte, mas que o objetivo maior sempre será a paridade, por uma razão de representatividade e justiça.

Criação de um novo espaço

Debateu-se também sobre a visão existente da politica enquanto um espaço branco, masculino, heterossexual e elitista, o que pressupõe uma intimidação e o impedimento de mulheres negras que tentam ingressar na politica, que significa um mecanismo de inserção tão necessário para o desenvolvimento da democracia

O objetivo é fazer da comissão um espaço para acolher temas tão difíceis que estão atravessando esses corpos; que dizem respeito inclusive a própria democracia brasileira, pois mulheres negras disponibilizam seus corpos para tarefas políticas e institucionais; enquanto existem mecanismos que constroem formas de retirá-las e afirmar que este é um “não-lugar” de mulheres negras.

Caso Marielle Franco

O nome de Marielle Franco foi citado algumas vezes, a respeito de seu assassinato, história e legado deixado enquanto mulher negra, mãe, socialista, que amava outra mulher, e todas as lutas que sustentava de enfrentamento a uma lógica opressora e violenta a corpos vulneráveis socialmente. A deputada Taliria realizou uma pequena retrospectiva de políticas coloniais que seguem se manifestando nos dias atuais, e finalizou declarando que “não há democracia possível onde todos os corpos não podem participar plenamente dela.”

Anielle Franco, defensora de direitos humanos, jornalista e fundadora do Instituto Marielle Franco, retornou ao caso da irmã destacando como ele representa um símbolo do abismo existente da vulnerabilidade de mulheres negras engajadas na política institucional, que estão expostas no Brasil enquanto estão ocupando cargos pelos quais foram eleitas, e sofrendo ataques, tentativa de silenciamento, falta de representação e sensação de insegurança.

Segundo pesquisas divulgadas durante a sessão, as violências continuam durante e depois da vida pública, onde apontam que a causa é majoritariamente oriunda do racismo. Algumas das proposições colocadas foram a necessidade de criação de pautas importantes para o combate dessas violências, que sejam previstas em lei, assim como projetos políticos de punição aos grupos organizados. Além disso, mecanismos que tragam segurança para deputadas e suas famílias, e protocolos que exponham para as mulheres como proceder em relação às denúncias, tornando o processo evidente.

Violência Trans

Para além de mulheres negras, também foi discutida a violência política que atravessa mulheres trans. A co-vereadora eleita em 2020 na cidade de São Paulo Carolina Iara relatou casos de diferentes tipos de violência que vivencia, destacando o último que aconteceu em Janeiro, onde precisou se mudar para onde está agora, vivendo em regime de segurança política.

Ela chama atenção para o fato de que em seu caso pôde receber suporte do partido, mas que na maioria das vezes não é o que acontece, estando em uma realidade onde ativistas de direitos humanos são assassinados de formas banais; e finaliza declarando: “Não nos consideram mulheres, e não nos considerando mulheres, não nos consideram humanas. A partir daí, a violência contra nós se torna banal. É a banalidade da violência de gênero.”

Iniciativas de enfrentamento

Após muitas falas importantes, a audiência foi encerrada com algumas estratégias e iniciativas que podem e devem ser tomadas para buscar a responsabilização dos agentes, mas sobretudo a prevenção para extinção das violências contra mulheres, principalmente negras e trans dentro do cenário político; e sobretudo com campanhas que sensibilizem a população sobre o que é e o que isso representa em grande escala na sociedade.

Combater a violência para fomentar a participação feminina na política, criando espaços plurais, diversificados, justos e inclusivos. O encontro amplificou a voz de vidas que foram tiradas em razões políticas a partir de lógicas opressoras, pleiteando a necessidade de uma lei ampla, complexa, que faça uso de muitos instrumentos para visibilizar as pautas e criar caminhos concretos.

Primeira parte da audiência:
https://www.youtube.com/watch?v=gFAJQkzHXcI&t=1301s

Segunda parte:
https://www.youtube.com/watch?v=BgjFulh-GLk

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