Militantes da Rede contra Violência estiveram ontem, 1º de dezembro, na Vila Cruzeiro, e puderam recolher diversas denúncias de violações dos direitos humanos por parte das forças de segurança estatais (polícia e forças armadas) que ocuparam recentemente a localidade. Nesta visita, também participaram correspondentes de uma televisão européia e jornalistas de um grande jornal paulista.
O ambiente na comunidade é de extrema tensão e é possível perceber o quão apreensivos e desconfiados estão os moradores. Quase toda a atenção destes está voltada para os últimos acontecimentos e suas rotinas foram inteiramente alteradas. Os militantes da Rede ouviram diversos relatos que, de uma maneira geral, expressavam a preocupação dos moradores com o que poderia acontecer com seus familiares e em suas casas quando lá não estivessem.
À medida que caminhavam, os referidos militantes e jornalistas eram abordados por moradores revoltados com a situação e que gostariam, de alguma forma, de denunciar a situação que estavam vivenciando. Não era preciso abordar as pessoas e perguntar sobre violações, os moradores procuravam-nos espontaneamente. Ouvimos queixas e denúncias de cerca de 30 pessoas. A cada passo ficava muito claro que a versão oficial de um apoio irrestrito da população local a ação do Estado não se sustenta.
Há uma preocupação generalizada com a forma como as revistas aos moradores e às casas são realizadas. Diversas pessoas, que quase sempre não queriam se identificar por medo do que lhes poderia acontecer, já que temem represália às suas denúncias, reclamavam de humilhações sofridas, especialmente as diferentes formas de violência física e psicológica às quais foram submetidos. Muitos, é possível afirmar, foram ofendidos em sua dignidade de seres humanos.
O procedimento padrão utilizado pelos policiais, especialmente os da polícia militar, é o seguinte: sem mandato de busca e apreensão ou outra autorização judicial, que legalmente permitiria a entrada nas casas, os agentes de segurança arrombam portas, portões e grades, com pessoas no interior ou não. Reviram os móveis e outros pertences, levam objetos de valor e quebram o que sobra. Em uma das primeiras casas que visitamos, percebemos muitos objetos revirados e jogados no chão. A moradora nos informou que os policiais levaram a televisão e inclusive o chuveiro do banheiro. A geladeira desta moradora foi vendida pelos policiais a outro morador local pelo valor de R$ 500,00.
Um grupo de moradores que os militantes da Rede encontraram ao caminhar pela comunidade disseram que não agüentam mais a presença da polícia. Dizem que agora são obrigados a trancar toda a casa e estão com medo que roubem seus pertences e outras violências sejam cometidas. Outro morador relatou que arrebentaram a porta de sua residência e que agora têm que tomar mais cuidado. No momento em que conversavamos com este último, aparece um senhor, que mora na localidade há mais de 50 anos, e reclama da repetição das abordagens dos policiais às casas. Mais a frente, um grupo de mulheres reclama que entrou em contato com a Comlurb para que esta retirasse carros queimados próximos às suas residências, mas não obtiveram resposta.
Além das críticas aos arrombamentos e roubos de objetos, muitos moradores reclamaram da forma de tratamento desrespeitosa e humilhante por parte dos agentes de segurança. Uma moradora disse que “eles nos tratam como bicho”. Ela ainda informou que policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) têm uma atitude completamente diferente quando não há mais luz do dia ou as câmeras da imprensa por perto. Reclamaram, ainda, da truculência dos policiais do 16° Batalhão.
Em outra situação, policiais do 22° Batalhão, não identificados (como, de resto, acontece com a maioria dos policiais), entraram numa casa, amordaçaram um jovem, levaram-no para um dos cômodos da residência e retiraram os seus familiares, inclusive crianças recém nascidas, colocando-as na rua. Enquanto mantinham o jovem amarrado, bateram nele com um cabo de vassoura. Perguntavam se ele possuía alguma informação sobre bandidos, mas o jovem afirmava que não. Em vão. Os policiais perguntaram, então, se ele tinha dinheiro, pois, se tivesse, não quebrariam nada em sua casa. Entretanto, percebendo que as pessoas ali eram pobres, os policiais quebraram o forro do teto e pegaram celulares. Importante mencionar que alguns policiais estavam de touca ninja. Antes de irem embora, ainda pegariam uma foto do referido jovem, sem explicar o motivo de tal atitude.
Durante toda a caminhada realizada, a principal denúncia recebida foi a de que um outro jovem teria sido assassinado pela polícia, fato não noticiado pela imprensa. Segundo informações, os policiais acharam que se tratava de um traficante. O jovem foi morto e seus restos mortais jogados a animais.
A comitiva da Rede e da imprensa foi à localidade da Vila Cruzeiro chamada Vacaria, onde até a tarde de sábado (27/11) haviam cadáveres insepultos sendo devorados por porcos. Sentimos o forte cheiro de decomposição, vindo de um matagal, mas foi impossível verificar a existência de restos humanos. Uma viatura da PM (que foi filmada pelo cinegrafista da TV estrangeira) passou por nós e dela exalava forte odor de restos em decomposição.
Oficiaremos o Ministério Público no sentido de organizar uma ida à comunidade, sem acompanhamento policial ou da imprensa, para que as inúmeras denúncias possam ser formalizadas com segurança pelos moradores.
Fonte: Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência