Jovens no estado norte-americano do Alabama, um dos mais segregacionistas do país, promovem festa aberta a quem quiser na qual recolhem dinheiro num balde e fazem testes anti Covid-19 enquanto a noite rola, até alguém testar positivo e por isto recolher a grana. Pensa que é mentira? Aqui mesmo no Brasil, bolsonaristas saíram à Esplanada dos Ministérios com a faixa “que venha o coronavírus – morremos pelo capitão”. Acha que é brincadeira? As pessoas estão morrendo nos Estados Unidos e no Brasil por insanidades como estas.
Era uma festa universitária, com gente presumidamente estudada e culta, mesmo em Tuscaloosa, um cocô de mosca no mapa do Alabama de George Wallace e outros escrotos escravocratas – embora também do craque do jazz William Christopher Handy, o “Pai do Blues”.
No meio do lodo da violência racial norte-americana, floresceram nomes geniais da música negra. Mas o que tem isso a ver com a nossa realidade pobre e colonizada até o talo? O que tem a ver a imagem do candidato Bolsonaro fazendo continência à bandeira americana em Miami com o nosso miserê diário?
Simples: somos o subproduto da cultura deles, a raspa da sobra que caiu da mesa, somos o cara que fritou hambúrguer e sonha ser embaixador, o latino barrado entre os “happy few” mesmo com olho azul, cabelo liso e sobrenome italiano. Aliás, eles têm trauma com isso, lembra a Máfia, Al Capone, Lei Seca, Crack da Bolsa em 29. Traumas que nem todas as séries da Netflix curarão. Enquanto cuidávamos de crescer e progredir, eles se metiam em guerras impossíveis na Coreia e no Vietnam, se intrometiam nas nossas vidas, nos diziam o que comer, enfiavam-se debaixo dos nossos lençóis, nos passavam o xampu no chuveiro e diziam qual o creme melhor para a nossa pele.
É isso que eles têm conosco, as fantasias de índio americano no carnaval fazendo “Rau!” com a mão espalmada, a roupa de caubói, o astronauta pisando na lua. Nesta pandemia eles são nossos mentores, acho até que o Jair, coitado, nem sabe o que é cloroquina, agradece a doação e distribui à população dos pobres trópicos, tristes trópicos, quanta desilusão, tanto fracasso guardado num baú de prata dentro de nós.
Do México dizem “tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos”, sem conhecer a nossa saga, a nossa sanha e a nossa sina de nação única a falar um dialeto, a “flor do Lácio, inculta e bela” que a poucos é dado conhecer. Estranho, alheio a tudo em volta, soberbo e altivo como um nobre sem ter onde viver ou morrer, o Brasil é o oposto dos vizinhos latino-americanos que têm língua própria comum, a terceira mais falada no mundo ocidental; não esse som enganador de bossa nova, melodia de quem vai meter sem vaselina.
Coitado do Brasil, tão longe de Deus, dos Estados Unidos e da salvação. Este é o destino do país perdido nas próprias incongruências, na escravidão sem fim, no atraso meticulosamente transmitido de geração a geração. O Brasil que fala tupi e anda nu nas praias, despudorado, que se esvai no carnaval e acorda de ressaca contando o lucro da farra, da festa, do butim. Este é o nosso país que gosta de samba e futebol e não quer saber de estupro e assassinato, bala achada e bala perdida.
Em uma festa de universitários da cidade de Tuscaloosa, bizarro concurso premiou quem primeiro se contaminou com o novo coronavírus, não para morrer, “of course”, apenas para mostrar que “somos o lar dos bravos, a terra dos livres!” Porra nenhuma! Tanto quanto nós, “cucarachas” do Rio Grande para baixo, aqueles idiotas são o fracasso do modelo em que nasceram e foram criados. Falidos como nós aqui embaixo, desafiam a morte como se vida houvesse no vazio onde estão.