A Batalha da União, realizada na área conhecida como Campo da União, composta por um campinho de futebol e uma pequena praça, localizado no Alto do Buriti, no bairro da Macaxeira, celebrou no último dia 25, seu primeiro ano de atuação na cena Hip Hop pernambucana, com a produção de Mizu e Souza Lispector, dois jovens de 18 anos. O encontro de MCs se propõe a ser um espaço de acolhimento para diversas expressões da arte urbana e representa a renovação dos combates de rimas no estado e contribui para a manutenção da cultura periférica.
A União de Mizu e Souza Lispector, em Casa Amarela, que foi por muito tempo considerado o bairro mais populoso do Recife, situada na Zona Norte da cidade, a região teve seu processo de ocupação intensificado a partir da década de 1940, quando houve a proibição da construção de mocambos na área central.
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As batalhas de rimas chegam ao Brasil no início dos anos 2000 e hoje são expressões da cultura hip hop com grande adesão popular. No Nordeste, o título de primeiro evento deste tipo é da Batalha da Escadaria, realizada em Recife, capital pernambucana, desde 2008, que conquistou o título de Patrimônio Cultural Imaterial municipal, em 2023. Atualmente, Pernambuco conta com mais de 40 batalhas ativas, distribuídas pelo estado. Apesar de carregarem características semelhantes de funcionamento, as batalhas de rima se individualizam pela forte ligação com seus territórios.
É comum cada uma trazer no nome sua localização. O bairro, rua ou praça, entretanto, não é uma limitação. Quem frequenta batalhas diferentes, certamente, vai notar rostos conhecidos entre uma e outra. Os encontros são verdadeiros intercâmbios de MCs, poetas e outros artistas.
Com a medida, inicia-se uma transferência, em grande parte não planejada, para os morros localizados onde hoje estão, além de Casa Amarela, os bairros de Beberibe e Água Fria. Em 1988, após a reestruturação político-administrativa da cidade, Casa Amarela deu origem a bairros autônomos. Entre eles, Nova Descoberta, Morro da Conceição, Mangabeira, Tamarineira, Alto do Mandu, Alto José do Pinho, Vasco da Gama e Macaxeira.
O território é reconhecido pela sua riqueza cultural, abrigando sede de grupos de afoxés, quadrilhas juninas, caboclinhos, escola de circo, bem como ONGs e movimentos sociais. É nas fronteiras desta periferia que nasce a Batalha da União. Ítalo Gomes, o Mizeu, vem do Vasco da Gama. Seu gosto pelo rap foi influenciado pelo irmão, Igor. Nomes como Criolo, Racionais, Da Leste, MC Guimê, Metal e Cego não faltavam na playlist. Já as batalhas, o estudante assistia pelo Youtube eventos de outros estados. “Quando eu tinha 12 anos, comecei a gostar de freestyle. Comecei a ver e me identificar”, explica Mizu.
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Já Andrew Souza, ou melhor, Souza Lispector , é da Macaxeira, onde também se localiza a praça que dá nome a Batalha da União. “Eu carrego título de poeta, eu sou poeta e MC de batalha nas horas vagas. E sou compositor também”, declara o organizador.
Ele conta que foi aos 12 anos de idade que começou a trilhar o caminho da escrita poética e aos 13 começou a rimar. A Batalha do Covil, também do Bairro da Macaxeira, foi seu primeiro palco.
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Mizu e Souza se conheceram ao compartilhar a organização da Batalha da Favela, realizada entre 2021 e 2023 em outro equipamento de lazer do bairro. A mediação foi feita por uma amiga em comum, à frente do encontro de MCs, a Vênus (Beatriz Lima). A Batalha da Favela permanece ativa, mas Mizu e Souza indicam que ela foi perdendo frequência e há meses não acontece.
Ambos organizadores vinham se sentindo frustrados e decidiram iniciar outra batalha. “Eu não guardo nenhuma tristeza ou afim, porque eu sei a oportunidade que a [Batalha] Favela me trouxe. Mas de fato era um um movimento onde eu não conseguia ter uma voz”, explica Mizu sobre sua saída. O encontro entre a dupla fez surgir a Batalha da União, realizada na área conhecida como Campo da União, composta por um campinho de futebol e uma pequena praça, localizado no Alto do Buriti, no bairro da Macaxeira.
Inicialmente, os combates aconteciam às terça-feiras e, mais tarde, para facilitar a adesão, passou a ser realizada aos sábados, sempre às 18h.
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Na batalha de rimas, o combate de palavras é simbiose de poema, rap e ritmo. Na União, cada edição é introduzida por recitais de poesia, o que não acontece em muitas batalhas no estado. “ Sempre toda a batalha da União tem recital de poesia e tem muita gente que aparece só para recitar .Tem os Mcs que vão para rimar e tem outras pessoas que aparecem literalmente só para recitar”, declara Lispector. O produtor cultural conta ainda que foi em uma dessas que conheceu sua esposa, a poeta Iuna (Daiane Neres).
Hoje ela também colabora como jurada em algumas edições. Para Mizu, isso é motivo de orgulho. “ A gente conseguiu de fato fazer com que a batalha seja muito mais do que uma roda de Mc, que era de fato o que a gente pensava no início. Mas a gente conseguiu fazer um lugar que é acolhedor para poeta, para grafiteiro, para todo mundo que chega lá e quer apreciar de fato hip hop”, afirma o estudante. Em sua opinião, os recitais podem causar estranhamento no público em geral e, por isso, não é tão difundido.
Porém, para a União, já é uma marca. Mizu destaca ainda os gritos antes das rimas – nas batalhas em geral, em cada sequência a roda de pessoas que acompanham as rimas puxam a competição com uma breve estrofe que pode ser criada na hora ou replicada. O produtor declara que os versos da União são tão diferenciados que já se espalham em todo o estado. “Virou padrão de poesia”, indica satisfeito. Um projeto coletivo A Batalha da União nasceu do encontro de Mizu e Souza Lispector com mais dois colegas, Negritu e Chrix, que já no início precisaram se afastar da organização.
A poeta Perséfone também contribuiu com a divulgação por algum tempo. Embora hoje apenas duas pessoas assinem a produção do evento oficialmente, todo o processo conta com a colaboração de várias pessoas. “Eu não considero nem que a gente seja só hoje em dia, porque, por exemplo, a gente tem muita gente de uma rede. Tem muita gente que ajuda a gente e por mais que não seja uma organização, eu não acho que a gente seja só. Tem que ter muita ajuda”, analisa Mizu.
Ele conta que tanto ex-integrantes da batalha como outras pessoas da cena sempre colaboram com funções como apresentação e fotografia e filmagem e na composição do júri que decide os vencedores. Nesse grupo, está Júlia Barros que contribui com os registros e no preenchimento do ranking. Já Negritu, hoje na coordenação de outra batalha, por vezes, assume a condução do evento. “Ela [a organização] é bem concentrada porque cada um tem um papel que se esforça muito para atuar, para concretizar seu papel”, completa Souza.
Souza descreve ainda a divisão de funções entre ele e Mizu: “A parte das redes sociais e tudo que envolve tecnologia é com Ítalo, que eu sou meio leigo para essas coisas. Eu particularmente atuo no presencial, [como] organizar a batalha,organizar o público”. Sobre os jurados, ele explica que costuma convidar pessoas que acompanhem a cena e entenda suas peculiaridades.
A relação com as outras batalhas é outro instrumento de fortalecimento que os produtores culturais fazem questão de evidenciar. “A Batalha da Várzea, eu coloco ela no topo da lista, porque ajudou bastante a gente com questão de equipamento. Se a gente precisava de um mic [microfone] para fazer um evento, ela [a organizadora] tava lá, disponibilizava. A organizadora, May [Mayara Bezerra], já se passou a vir na batalha da gente e já foi jurada da Batalha da gente também”, pontua Souza.
Mizu aponta ainda a Batalha Boca no Trombone, também da Zona Norte recifense. “Ela é uma das batalhas que é um movimento cultural. Várias vezes eu já conversei com Maria Júlia [organizadora]. Eu acho que a União compartilha com a Trombone o sentimento de fazer ser um movimento muito mais social do que musical”, defende o produtor. Um ano depois da União.
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Agora com um ano de realização, a Batalha da União tem planos de se expandir e fortalecer seus pares do cenário de batalhas. Para a celebração, a dupla à frente do evento vem se mobilizando para ocupar uma parcela maior do Campo da União, onde ocorrem os encontros. A proposta é promover um momento que reúna várias expressões de arte urbana, como música, grafite e, é claro, poesia e combate de rimas. Os planos de Mizu e Souza, porém, têm sido dificultados pela burocracia de conseguir autorização municipal.
Embora sejam articulados nas suas atividades, eles nunca lidaram com planejamento de projetos do tipo. Jovens na vida e na atividade de produção cultural, os organizadores da União já percebem os obstáculos para realizar o que desejam. “Ainda falta muita estrutura não só da parte da organização das batalhas de rima, mas também da parte estadual e da prefeitura. É chato admitir. Querendo ou não, a cena da batalha de rima é uma cena independente. É algo que de muitos organizadores sai do próprio bolso e outros têm alguma ajuda, mas eu acho da parte dos deputados da parte do Estado, que se olhasse um pouco mais para isso, eu acho que daria tanto lucro para eles”, desabafa Souza.
Entretanto, as vitórias merecem ser exaltadas. Para Souza, as batalhas de rimas vêm ganhando mais espaço e visibilidade. “Antigamente você sempre tinha que ir de uma cidade para outra para poder rimar ,para poder prestigiar algum evento. Hoje em dia, qualquer esquina que você vá, tá tendo uma batalha de rima, porque o pessoal tá muito animado com a questão da cena”, comemora o organizador. Ele destaca ainda o título de Patrimônio Cultural Imaterial recebido pela Batalha da Escadaria, que para ele é uma inspiração. O engajamento da comunidade é outro aspecto positivo para a manifestação cultural.
De acordo com Mizu, apesar de conflitos pela competição sonora com comércio local e os desafios para a ocupação de espaços, a roda de rimas sempre atrai transeuntes e frequentadores dos equipamentos de lazer do entorno. Com um sorriso estampado no rosto, ele faz questão de contar que, de crianças a idosos, sempre há quem passe por ele, perguntando se vai ter batalha. Para Souza Lispector, “rimar não é só como se expressar numa música e juntar as palavras. Tem uma logística toda, como métrica, flow”.
Assim, é essencial que haja incentivo para a cena. Além disso, a realização dos eventos é uma forma de se apropriar do próprio território. “Pra gente, a batalha é uma raiz, é transformar o local em que muita gente acha que é marginalizado. Transformar esse local em casa”, defende Souza. Mizu, por sua vez, não deixa de expressar sua felicidade pelo movimento que estão construindo. “O que saiu de um momento de incerteza, da gente migrando da Batalha da Favela e sem saber muito o que seria. A gente conseguiu formar um movimento coeso, um movimento fixo na cena que, hoje em dia, de fato é respeitado, excitado por outras batalhas. A gente conseguiu fazer isso ser único. Não sendo melhor, nem sendo pior que ninguém, mas sendo diferente.Eu tenho muito orgulho da gente”, revela o produtor da União.
Um movimento crescente Com menos tempo de trajetória que a Batalha da União, outros três eventos vêm conquistando seu espaço na agenda de competições de rima pernambucana. Carregando o lema “União, transparência e Humildade”, a Batalha do Bronx passou a ocupar a Praça Aleixo de Oliveira, no bairro do Ipsep, Zona Sul do Recife, desde setembro de 2023. O encontro contou na sua estreia com a realização de um grande evento, assim como a colaboração de grupos e movimentos sociais do entorno. Atualmente, a batalha acontece um sábado por mês, sempre às seis e meia da tarde.
Já na Zona Norte, toda sexta-feira, por volta das sete da noite, a Batalha do Largo veio para reativar a competição sob outra administração. Os MCs Kong e V2K, atuais organizadores, decidiram realizar a competição com a intenção de movimentar o final de semana na região. Além disso, Kong defende o potencial transformador da batalha. “O objetivo é conscientizar crianças, adolescentes e adultos sobre o movimento Hip Hop e viabilizar [para eles] um espaço no movimento. Atrair eles para o movimento, tentar afastar eles o máximo possível da vida criminalizada, pois sabemos que há uma realidade da juventude na periferia. Ela tende para a criminalidade e o movimento Hip Hop dentro de uma comunidade serve para a gente viabilizar uma rota de fuga disso”, explica o produtor.
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Lil Ivy, Kakashi e Dri, por sua vez, resolveram extrapolar as fronteiras de seus territórios e ocupar o centro da cidade. A Batalha do Zero é a caçula da lista, tendo sua primeira edição no dia 7 de abril de 2024. A reunião dos MCs acontece um domingo sim e outro não, na Praça do Marco Zero, um dos principais pontos turísticos da capital pernambucana. “É difícil você fazer uma batalha em que reúna todas as zonas. Zona Norte, Zona Leste e Zona Oeste. Tá ligado? É difícil. Então eu pensei: por que não fazer um bagulho no centro? Dia de Domingo já dá muita gente lá”, relata Lil Ivy sobre a proposta.
Colaboração: Letícia Barbosa