As reuniões de grupos, independente das classes sociais, podem denotar diversas motivações e posteriores consequências. Na verdade, os encontros em si, já estão investidos de razões que, a priori, sinalizam para buscas individuais ou coletivas que os grupos almejam enquanto marcadores positivos para a vida de seus integrantes.

A necessidade dos encontros nascem de inquietações e possíveis conquistas.

Aqui, me detenho a dissertar sobre o que percebo dentro do movimento que se articula a partir das batalhas de rima ou batalhas de rap na cena urbana e periférica de Sobral/Ce. Apesar de serem ainda momentos em que a maior parcela de rappers é masculina, as mulheres, estão também na cena, vez por outra, batalhando com os meninos.

É uma cultura que considero estar em construção, porque esses encontros têm se articulado para falar de pautas que os artistas, de alguma forma, se identificam, assim como questões sobre negritude, realidades periféricas, feminismo, os tipos de violências, etc.

Participando efetivamente desses momentos algumas vezes por semana, e em espaços distintos da cidade, passei a enxergar esses instantes como potentes ocasiões onde se compartilham afetos, empatia e solidariedade. A princípio, isso é visível a partir da cena, onde a troca desses afetos perpassam os afagos corporais e os contatos que traduzem respeito e alegria de estar uns com os outros.

Isso também é perceptível no compartilhamento de mensagens e nas relações via redes sociais, onde esses artistas alimentam o compromisso de difundir os “corre” dos demais como forma de admiração ao trabalho artístico de todos eles. Há toda uma ética no sentido de alavancar e reconhecer os talentos que circundam esse circuito. E não deixar que nenhum artista esmoreça, é praticamente uma obrigação, e isso tem surtido efeito.

A reunião desses corpos em algum espaço público da cidade tem, a princípio, a alegação de disputa, de batalha, mas na verdade, está claro que isso se torna secundário quando se percebe a rede de afetos que engloba esses momentos. No linguajar usual e corriqueiro desses indivíduos, são utilizados termos particulares que parecem estar em íntimo trato entre si, pois, é recorrente o estilo familiar quando são usados, tais como: mano, irmão e família.

Nisso, é perceptível também a alegria da presença de cada um, o encontro e o compartilhamento de ideias que lhes são semelhantes, seja na construção de suas letras, nas rimas e na própria situação conjuntural desses artistas periféricos, pois trazem na pele e nas histórias de vidas, as marcas do açoite colonial que diariamente lhes ferem sob os signos da desigualdade e do preconceito.

Entendo que esses encontros são a partilha de vivências, estigmas reais e latentes que lhes perpassam todos os dias suas realidades. Uma pessoa que frequenta essa cena atribuiu para esses encontros a comparação destes com os quilombos de agora, onde pessoas se achegam junto de outras para serem acolhidas na semelhança com suas dores, lutas e desejos de conquistas.

Esses encontro têm a marca da solidariedade e respeito, não existindo muito espaço para diferenças, sejam elas quais forem, pois, vejo que nesse ritual de afirmação, estão outros que são estigmatizados por serem diversos, assim como negros, mulheres, sujeitos não binários, trans, bichas, lésbicas, feministas.

Esse encontro de alguma forma serve como apoio para quem deseja minimizar suas dores cotidianas, atuam como espaços e momentos de incentivo rumo aos objetivos daqueles que se sentem, em dado momento, desmotivados. É uma oportunidade de reforçar os talentos, de fazer parcerias, de descobrir ou revelar outros.

Muita gente tem se mostrado potente nessa cena a partir da frequência nesses momentos, pois, como enfatizei, esse encontro se veste sob o manto da desculpa de ser batalhas de rap, mas não é só isso que acontece, o cenário traz outros elementos que compõem o território artístico, pois ali se visualizam poetas e suas performances, músicos, etc.

“O importante é fortalecer, como costumam referir sempre. São nesses momentos que tenho percebido as trocas de afetividades, solidariedade e contato, como vieses que colaboram com a saúde mental e afetiva desses indivíduos. Estar com seus pares nesse grande quilombo, tem salvado vidas, como tenho ouvido diversas vezes dentro da cena”.

Matéria publicada no jornal A Voz da Favela, Salvador, edição de janeiro 2020.