Esse é o tipo de coisa que muitas vezes busco ter a frieza de não falar, por várias razões. Pra maioria das pessoas vai ser só um monte de palavras. Pior, palavras que incomodam porque exigem resposta. Que causam o desconforto de admitir que somos relapsos e egoístas. O desconforto de admitir o tanto de coisa que existe no mundo que a gente não sabe e não entende.
E ninguém quer se sentir obrigado a sentir pelo outro. Todo mundo só quer ficar em paz. Mas essa paz existe mesmo se ela for um direito só de poucos?
Essa folha nova é um respiro, sem normas e cuidados e sem uma linha clara de raciocínio. Eu vou usar essa folha nova pra falar de você, Gabrielle, da forma mais pura que eu puder.
O meu direito de ser uma mulher de 25 anos independente e livre não vale de nada se você não tiver o mesmo direito. E por mais calos que eu venha criando dia a dia, eu jamais ia poder olhar pra você e não sentir a sua dor.
Gabrielle resistiu e resiste sim. Sobreviveu ao tiro de fuzil, ao descaso, ao erro médico. Sobreviveu ao que ninguém espera ter que sobreviver: uma noite de domingo com amigos. Esse é o tipo de coisa que a gente só quer viver certo? Tão simples. Simples sentar na porta da própria casa e falar sobre a vida com pessoas que você gosta.
Gabrielle sobreviveu uma vez atrás da outra. Sobreviveu dia após dia e se agarrou nas palavras de quem dizia ter fé de que ela ainda ia estar viva no dia seguinte. Dormiu sem saber se ia acordar. E o que fazem a gente acreditar que é motivo pra odiar nosso próprio corpo, foi uma das coisas que a mantiveram viva depois dos vinte e dois quilos que perdeu no hospital. Sobreviveu a dor e resiste apesar dela. Vai carregar sempre no seu próprio corpo a marca da covardia e a memória de olhar dentro do olho da perversidade.
Gabrielle é forte sim. Mas é só uma garota e uma mulher de 21 anos que quer viver. E que pra isso tem que conviver com as consequências de uma guerra que não é sua, de uma lógica que considera o seu corpo e sua vida sem valor nenhum. Gabrielle é forte e disso ela já sabe. Só ela sabe do que viveu e do que sentiu. Mas ela devia ter o direito de não ser.
Eu já falei pra você: se um dia eu tiver 10% da sua força vou me considerar vitoriosa. Mas eu queria mesmo era que você não tivesse que ser forte o tempo todo. Você é bem mais que apenas uma sobrevivente.