Já não é novidade que a morte entre jovens negros no Brasil é duas vezes mais comum que entre jovens não negros. A realidade apontada pelos dados do IPEA impressiona por seu recorte racial e de classe. Ou melhor, impressiona mesmo? Para os grandes veículos de comunicação do país esse genocídio aterrador não parece importante o suficiente para ocupar os jornais ou motivar a comoção nacional. As mães dos jovens mortos pela polícia carioca na chacina da Maré em 2013 parecem não merecer as mesmas condolências que as mães da Zona Sul. Há um cinismo obscuro entre os principais – ou ao menos os mais abastados – veículos de comunicação do país que exclui moradores de favelas e periferias, especialmente negros, de tais instâncias de representação narrativa.
Longe de ser sutil, esse processo de marginalização econômica, espacial e simbólica é escancarado. A comparação que ganhou espaço nas redes sociais entre duas capas da revista Veja é eloqüente o bastante. A primeira, feita em 2006, mostra uma mulher negra segurando seu título eleitoral, ao lado a chamada anunciava o que aquela intrusa fazia ocupando um espaço que não lhe era destinado: “Ela pode decidir as eleições”. Na ocasião da PEC que deu às empregadas domésticas os tão sonhados direitos trabalhistas é um homem branco usando gravata e lavando a louça que toma a página: “Você amanhã”. É do pobre rapaz obrigado a abandonar o posto de senhor de engenho que o editorial tem pena. Recentemente, a revista mostrou mais uma vez conhecer bem seu “leitor médio”. Numa capa de Janeiro apresentava MC Guimê, ícone de um dos movimentos musicais mais influentes no país, com uma certeza inquebrantável: “Só você não me conhece”.
Exemplos como esses são inúmeros. A escassez de personagens negros como protagonistas num país cuja maioria da população percebe-se por essa identidade é apenas mais um de seus reflexos mais gritantes. Junto ao genocídio sentido literalmente na pele pela população negra do Brasil, deve-se sempre lembrar do genocídio simbólico que afasta essas pessoas das mais influentes instâncias de representação e construção de narrativas. Ambos encontram-se num amálgama que faz parecer banais milhares de mortes, as diferenças entre os salários recebidos por negros e brancos ou as vicissitudes enfrentadas pela população moradora de favelas, espalhada pelo país inteiro.
É preciso, enfim, que o trabalho da Agência de Notícias das Favelas cresça cada vez mais.