Abro a geladeira e não há nem sinal de passas no arroz, lentilha, restos de pernil ou garrafas de champanhe. Os presépios foram oficialmente desmontados. Já começam as propagandas de volta às aulas, preço de lápis, caderno e livros, o carnê de IPTU chegou em todos os lares. E o Carnaval já é motivo para debates. Bolsonaro já é presidente e há uma esperança no ar de que ele caia da árvore.
No círculo normal da vida, deveria haver algo de orvalho, manhã fresca, sol raiando. A atmosfera, apesar do verão, poderia ter algo de primavera, com espaço para a chegada de coisas novas, sabores novos, inaugurações. Mas parece que a máquina dos dias segue rodando sua estrutura exata. E o cotidiano não dá tempo para ninguém. Pendências de 2018 nos perseguem, projetos desejados não se iniciam, alguns começam de um jeito estranho. Pode até ser que sim, em alguns casos, coisas novas, como folha branca de caderno, estejam acontecendo. Mas no geral, é como se estivéssemos carregando um peso de resíduos antigos. Hábitos, mágoas, dívidas, dúvidas: para onde foi o Ano Novo que celebramos com roupas brancas e pulinhos no mar?
Busco em mim e encontro uma casa ainda desarrumada. Louça para lavar, levar o lixo para fora, trocar as roupas de cama e regar as flores. Entro no metrô e estranho as pessoas, as mesmas, iguais, cada dia mais encurvadas nos celulares. Algumas pessoas famosas já morreram e viraram notícia. O novo presidente é uma pedra no meio do caminho, causando repulsa e desânimo. Apesar de tudo, alguns programas idiotas de televisão continuam sendo transmitidos em todos os aparelhos.
Qual a fruta da estação? Inventaram algum sabor novo de sorvete? Aquela viagem para
Salvador não deu certo. Ainda acordo ouvindo os mesmos ruídos.
É quase irresponsável a quantidade imensa de charlatões que prometem que com técnicas avançadas você vai se reinventar, se transformar num grande empreendedor e ser salvo pela meditação diária. Só a meditação diária se salva nestas propagandas…
Enquanto isso, me sinto a mesma. Olho no espelho e vejo o mesmo corpo. Cometo erros semelhantes e digo bobagens costumeiras. Quem sou eu no ano novo? Onde nos encontraremos?
Já faz quase um mês que o Ano Novo começou. Mas a vida me parece antiga. Talvez a poesia, talvez um filme, talvez o encontro com amigos. Ou apenas acreditar num fluxo ininterrupto de vida e morte. De ciclos que se abrem e fecham. Ou uma grande lógica circular da vida, sempre a mesma e nunca igual. Se tem algo que é novo, com certeza, são os encontros. Com as pessoas, com as ideias, com as cores que variam no céu. Ir aos encontros. Acreditar nos encontros. E que em cada um deles algo novo se inicia. Como se fosse amor, de novo.