O poema “Desabafo”, do poeta Cairo Costa, foi selecionado para integrar um livro didático do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), uma conquista significativa para a literatura contemporânea brasileira. A escolha reforça a importância da poesia como ferramenta de reflexão sobre a realidade social do país. Cairo Costa é economista, escritor, poeta, músico, educador e um dos fundadores do Coletivo Juventude Ativista de Cajazeiras (Coletivo JACA), localizado em Cajazeiras, periferia de Salvador. “Desabafo” é um retrato cru e impactante das desigualdades sociais, da violência e das injustiças presentes no Brasil. Com versos diretos e uma linguagem acessível, o poema aborda questões como a brutalidade policial, a falta de saneamento, os cortes na educação e a diferença de tratamento entre ricos e pobres no sistema judicial. O PNLD é um programa do Governo Federal que distribui livros didáticos e paradidáticos para escolas públicas, auxiliando no aprendizado dos estudantes

Confira parte do texto…

A inclusão do poema em um material didático garante que estudantes de escolas públicas de todo o país tenham acesso à sua mensagem poderosa. A decisão do PNLD de selecionar a obra demonstra uma abertura para o debate sobre temas urgentes e atuais dentro do ambiente escolar.

De acordo com o site do coletivo Juventude Ativista de Cajazeiras, “A palavra é arma, memória e futuro. E agora, a poesia de Cairo Costa, economista, escritor, poeta, músico, educador e um dos fundadores do Coletivo JACA, atravessa as páginas de um livro didático da Educação de Jovens e Adultos (EJA).”

Para Cairo Costa, ver seu poema em um livro didático é motivo de orgulho. “Ter minha poesia impressa neste livro aumentou ainda mais o meu desejo de ver o dia em que toda a juventude negra da periferia seja dona da sua própria história, empunhando caneta e papel, em vez das armas e drogas fabricadas pelo povo branco”, afirmou o autor. Aqui o poema na íntegra:

Poema completo

Desabafo
(Cairo Costa)

É a bala veloz
Do branco algoz
Que cala a voz
Do jovem da favela;
Favela que ouviu
O som de fuzil
O corpo sumiu
Bem vindo ao Brasil,
País do carnaval,
Onde os 10% mais ricos detém metade da renda total
Ainda tem gente que acha normal.
Seria engraçado se não fosse trágico,
Pois metade das casas brasileiras não possui saneamento básico
E todo ano é a mesma piada
O mosquito viraliza, a culpa é sua que deixou a água parada
O que parou por aqui foi a verba para educação
A merenda foi roubada
O professor levou pancada
Dos heróis que vestem farda
E que protegem o governo
Os que venderam a educação para manter o lucro dos banqueiros
O movimento é desigual
O que rege é o capital
A ciência é o aval
Para os fins justificar
Eu sempre lembro de uma história
Que aprendi na minha escola
O indivíduo quando rouba
Tem a natureza má
Quanto vale uma vida?
Quem souber me diga!
Implantar no gueto
O medo e o desemprego
É o plano perfeito
Para criar os suicidas
E a cor do suspeito?
Por favor me digam
Tá tudo estarrado
Corpo negro leva enquadro,
Toma murro, é humilhado,
Com flagrante é encarcerado,
Observem o resultado
Sempre da mesma maneira
O Playboy paga fiança
Passa um dia na cadeia
A juíza sente dó
Porque ele agora cheira pó
Com sua tornozeleira
Será que é futuro se persiste o passado?
Será que o Estado é mesmo meu aliado?
Palavras bonitas do século XVIII
Liberté, egalité, fraternité
Vá se fuder, que esse migué eu não vou comer

A seleção de “Desabafo” reafirma a importância da literatura como um espelho da sociedade e como um meio de conscientização e transformação social.

A presença de obras como a de Cairo Costa nos livros didáticos incentiva a discussão sobre a realidade do país dentro da sala de aula, permitindo que os alunos reflitam sobre sua própria vivência e sobre os desafios que a sociedade enfrenta. Essa conquista também reforça a relevância da poesia como uma poderosa forma de expressão e questionamento.

“Desabafo”, de Cairo Costa, que faz parte da antologia “Poéticas Periféricas: novas vozes da poesia soteropolitana. Organizada pelo jornalista e poeta Valdeck Almeida de Jesus, pela Editora Galinha Pulando, a antologia foi publicada em 2018 após ser contemplada pelo Calendário das Artes 2017 da Fundação Cultural do Estado da Bahia.

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Valdeck Almeida de Jesus
Valdeck Almeida de Jesus é jornalista definido após várias tentativas em outros cursos, atua como free lancer, reconhecendo-se como tal há bastante tempo. Natural de Jequié-BA (1966), e escreve poesia desde os 12, sendo este o encontro com o mundo sem regras. Sua escrita tem como temática principal a denúncia: política, de gênero, de raça, de condição social, de preconceitos diversos: machismo, homofobia, racismo, misoginia. Coordena o movimento “Galinha pulando”, o qual pode ser visto no blog, no site e nas publicações impressas. Este movimento promove anualmente um concurso literário, aberto a escritores(as) do Brasil e do exterior. A poesia lhe trouxe o encantamento, mundos paralelos, as trocas, a autocrítica, a projeção de si e de outro(s), maior consciência de classe e de coletivo. Espera que as sementes plantadas se tornem árvores, florescendo e frutificando em solos assaz diversos. Possui 23 livros autorais e participa de 152 antologias. Tem textos publicados em espanhol, italiano, inglês, alemão, holandês e francês. Participa de vários coletivos da periferia de várias cidades, bem como de algumas academias culturais e literárias.