Sempre me perguntam se morar na favela é perigoso, mas ser mulher é o que mais me dá medo todos os dias. Em qualquer lugar.
A violência, que nos atinge diariamente, chega cedo demais. Antes mesmo de nascermos. É comum, mas não deveria, alguém dizer a uma mulher grávida:
— Cuidado, vai ter muito trabalho ao ser mãe de menina.
Quando se trata de vulnerabilidade feminina, a violência atinge antes mesmo de nos definirmos como mulheres.
Em recente viagem de Uber, subindo o Alto da Boa Vista, percebi que o trajeto da festa até a casa de uma amiga, que deveria ser de cinco minutos, se transformou em mais de quinze. O olhar do motorista para o decote do meu vestido de veludo azul fez com que eu me arrependesse por ter saído vestida daquela forma.
A voz daquele homem, que foi pago para me levar em segurança ao meu destino, era ameaçadora. Enquanto eu afirmava que aquele não era o caminho, onde havia apenas escuridão e mato, ouvia apenas uma resposta: “Estou seguindo o GPS, estamos no caminho certo, você vai ver”.
Quando peguei o telefone e vi que tinha apenas 1% de bateria, tentei manter o controle. Liguei para um número imaginário e comecei a falar, como se alguém estivesse me ouvindo. Queria que ele soubesse que estavam me esperando chegar. Com isso, logo ele mudou de atitude e me levou ao destino.
Como é possível se sentir segura sendo mulher?
É importante frisar que tais atitudes nos mantêm reféns em vários momentos depois de episódios como esses. O medo de sair, a mudança no estilo de roupas, a vergonha ou prudência na fala e até mesmo a agressividade são reflexos das violências diárias que vivenciamos.
Duas histórias ocorridas durante a semana vieram para reforçar o quanto ainda estamos totalmente vulneráveis. A escritora Clara Averbuck relatou em suas redes sociais que havia sofrido um estupro ao não corresponder às investidas do motorista que deveria apenas levá-la ao seu destino.
Como se não bastasse a gravidade da violência, Clara ainda foi julgada em suas redes ao optar por não realizar o boletim de ocorrência. Em sua concepção, sofreria mais uma vez, pois, mesmo sendo vítima, seria tratada como culpada.
Enquanto isso, dias depois, outra mulher teve sua intimidade violada quando um homem decidiu ejacular sobre seu corpo. Parece inacreditável, mas ele saiu impune! A Justiça não considerou o ato um estupro.
Recente pesquisa do coletivo feminista Think Olga indica que, entre 7,7 mil mulheres entrevistadas, 99.6% já foram assediadas. 98% delas viveram isso nas ruas e 64% em transporte público. 81% mudaram a rotina por medo.
Ansiedade, depressão, dor de cabeça e estresse. Todas essas reações têm relação direta com situações de violência.
Clara é branca, eu, negra.
Clara é da classe alta, eu, da Baixada.
Ela é jornalista, eu, articuladora social.
Somos mulheres e não acreditamos no sistema. Não nos sentimos protegidas pelas autoridades que deveriam nos acolher e fazer valer as leis que nos permitam viver com liberdade.
Não importa se estamos na favela ou fora dela. O mundo não é um lugar seguro para mulheres.