Capoeirista paraibana sofre rasteira da violência, mas seu legado inspira mulheres na luta contra o feminicídio.

No dia 01 de fevereiro o universo da capoeira perdeu de forma brutal, na cidade de Campina Grande (PB), uma grande referência da capoeira feminina no estado da Paraíba, a capoeirista Cristiana Soares de Farias, conhecida carinhosamente como Cris Nagô, contramestra do Grupo Capoeira Nagô.

Mulher, nordestina, negra, lésbica, professora, enfermeira, teve uma vida comprometida e dedicada à educação, à arte e à cultura, através da capoeira.

Crédito: Reprodução

Destacou-se numa atividade majoritariamente ocupada por homens ainda na década de 90, período cuja presença feminina nas rodas de capoeira era ínfima tornando-se, assim, exemplo para inúmeras outras mulheres.

Cris Nagô foi umas das notáveis capoeiristas paraibanas que participou da primeira roda feminina de capoeira, realizada no Ponto de Cem Réis, na cidade de João Pessoa (PB), juntamente com a mestra Malu Farias, a contramestra Luciana Gomes, contramestra Fabrícia Moreira, Sílvia Sousa, entre outras.

A perseverança de Cris, a sua doação, disciplina e compromisso com a arte da capoeira, em um espaço bastante preconceituoso, exigia que ela se sobressaísse, já que “naturalmente” insistem em não reconhecer o valor de uma mulher capoeirista.

Apesar de todas barreiras existentes para a mulher na capoeira, Cris Nagô, sem sombra de dúvidas, as venceu e com isso marcou gerações de meninas-mulheres. Ela nos faz acreditar que, apesar do preconceito de gênero, orientação sexual e classe social, a capoeira também é um espaço para nós, para nos afirmarmos como mulher e que devemos lutar para conquistá-lo, principalmente, a partir da conscientização, solidariedade e união entre nós.

Como um de seus objetivos, a contramestra Cris, sempre lutou pela presença e o protagonismo da mulher na capoeira, ao exercer o seu papel de liderança. Recentemente, deu início a institucionalização de um Movimento Estadual Feminino de Capoeira, chamado Maria de Camboatá.

Em um dos seus últimos depoimentos, horas antes do seu assassinato, afirmou que o objetivo do movimento é “unir mulheres, para mostrar os nossos valores de várias formas, mostrando vários estilos de capoeira, danças, para que a mulher tenha uma posição na capoeira paraibana realmente de valor.

A capoeirista Thais Munholi (Grupo Capoeira Brasil), afirmou que “quando morre uma mulher desta forma, morre um pouquinho de todas nós e, na capoeira, que historicamente é um espaço mais masculino do que feminino, é mais significativo ainda”.

Nesse sentido, a edição de fevereiro da denominada Roda da Lagoa, realizada no Parque Sólon de Lucena, na capital paraibana, no último dia 08, a qual reuniu inúmeros capoeiristas da grande João Pessoa, não poderia deixar de ser dedicada a contramestra e ao reconhecimento do seu importante e primoroso trabalho, desenvolvido durante décadas na capoeira paraibana.

A Contramestra Cris, hoje já não se encontra entre nós, infelizmente, mas deixa um legado de dedicação, cuidado, força, amor, solidariedade, compromisso e luta, principalmente, na busca pela inserção, permanência e protagonismo da mulher na capoeira. Diante disso, sabemos e sentiremos a ausência, mas também teremos o compromisso e responsabilidade para com a continuidade da capoeira feminina da Paraíba.

Os seus esforços não foram e não serão em vão.

Em sua homenagem, fica essa cantiga da autoria de Rosenberg Alves, conhecido no mundo da capoeira, como Mestre Pequeno, escrita há mais de 10 anos.

“Iêêêê. Eis aí Cris Capoeira, eis aí Cris Capoeira, que conheci no passado, treina quase a vida inteira, aplicando rasteira, 30 anos de reinado. Lá das bandas de Campina, pratica desde menina, essa arte brasileira”.