Sexta-feira, 2 de outubro de 1992. Mais de 300 policiais militares entraram na Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru, e assassinaram 111 presos. A ordem de intervenção da polícia partiu do comandante da época, coronel Ubiratan Guimarães, com a justificativa de acalmar a rebelião que acontecia no Pavilhão 9 do presídio. Vinte e oito anos depois ninguém foi responsabilizado até hoje pelo massacre.
Os 74 PMs que foram condenados entre 2013 e 2014 por 77 mortes, com penas que variavam de 48 a 624 anos e Ubiratan teve uma sentença de 632 anos. Todos tiveram a condenação anulada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em setembro de 2016.
O dia do massacre
Entre 15h e 16h daquela sexta-feira, o diretor do Carandiru, José Ismael Pedrosa, aciona a polícia militar para “apaziguar” uma confusão entre dois presos, após uma partida de futebol, no Pavilhão 9, que abrigava cerca de 2500 detentos. A PM chegou ao local com 300 homens acompanhados do coronel Ubiratan.
Informado da situação, o secretário de Segurança Pública, Pedro de Campos, teria dito ao coronel que se fosse necessário, ele poderia entrar no pavilhão. Segundo a própria PM, o coronel decidiu entrar com 86 policiais, mas vendo que “a situação ficou fora de controle” os outros agentes entraram no local.
Ainda de acordo com a versão oficial dada pela polícia, os agentes foram recebidos com objetos cortantes levando a uma ação por legítima defesa. No entanto organizações de direitos humanos contestam essa versão. O perito criminal Osvaldo Negrini, afirmou, em depoimento, que não houve confronto, pois os detentos não tiveram como reagir.
O laudo final da perícia indica que a maioria dos tiros nos corpos atingiram a cabeça e o tórax e juntamente com as marcas na parede da cela é um sinal que os policiais já teriam chegado atirando, impossibilitando a reação dos presos. Além disso, apenas 26 dos 111 mortos contabilizados pela perícia se encontravam fora das celas.
Alteração da cena do massacre
De acordo com o perito houve tentativas de prejudicar seu trabalho. No dia da chacina, a luz foi cortada e como ele chegou de noite, o andamento da investigação foi dificultado. Negrini compareceu no presídio outras duas vezes, mas quando chegou o local já estava todo limpo e sem pistas do acontecido. Ele afirma ainda que os presos que sobreviveram foram obrigados a levar os corpos para outro andar, o que alterou a cena do crime.
Essa alteração é confirmada por um dos sobreviventes em entrevista ao El País. “Um preso pegava os braços e outro as pernas. Carreguei uns 25 corpos. Descíamos eles dos andares e amontoávamos no pátio. Alguns ainda estavam vivos, mas a gente tentava ignorar os gritos deles. Colocávamos presos mortos em cima deles pra ver se paravam de gemer”, lembra Sidney Sales, que na época tinha 24 anos.
O sobrevivente afirma ainda que os policiais mandaram os presos saírem nus das celas. Quando viu a cena, ele ficou horrorizado, mais ainda quando viu um de seus amigos agonizando no chão com o rosto desfigurado por um tiro.
Cronologia das condenações e julgamentos
- 1993: Ministério Público acusou 120 policiais de homicídio, dos quais 85 se tornaram réus pelo caso dois anos depois;
- 2001: coronel Ubiratan Guimarães, condenado a 632 anos de prisão, pela morte de 102 dos 111 detentos;
- 2006: em fevereiro os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) inocentaram o coronel Guimarães, pois entenderam que ele atuou “no cumprimento do dever”. Meses depois foi encontrado morto em seu apartamento;
- Abril de 2013 a dezembro 2014: realização dos julgamentos dos fatos ocorridos nos quatro pavimentos do Carandiru, 74 PMs foram culpados por 77 mortes;
- 2016: a 4ª Câmara do TJ-SP anulou as condenações por 2 votos a 1, pois elas teriam sido “manifestamente contrárias à prova dos autos”;
- 2017: como não houve unanimidade na decisão anterior, TJ-SP chama mais 2 desembargadores e decide por um novo julgamento.
A partir de 2017, o julgamento e posteriores condenações dos policiais militares envolvidos ficaram ainda mais distantes de acontecer. O TJ-SP entende que os policiais não podem ser julgados em grupo, pois as ações foram individualizadas.
O Ministério Público considerou omissa e contraditória a decisão do TJ-SP. Diversos embargos e recursos foram feitos tanto pela acusação quanto pela defesa.
Para haver prosseguimento, é necessário que o TJ-SP faça o exame de admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários que fazem parte do processo.