Em 14 de março de 1914, nascia Carolina Maria de Jesus. Negra, pobre, mãe solteira e favelada, Carolina é uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira. Já conhecida na antiga Favela do Canindé por escrever em cadernos que encontrava no lixo, a catadora de papel viu sua vida mudar após conhecer o jornalista Audálio Dantas. Ela se tornou célebre pela obra Quarto de despejo – Diário de uma favelada, coletânea de textos em formato de diário, publicadas semanalmente no Jornal Folha da Noite, e que depois viraram livro.
Num tempo em que vozes dissonantes não possuíam qualquer alcance na mídia hegemônica, Carolina Maria de Jesus foi uma das primeiras a falar pela periferia, ocupando com propriedade este lugar de fala quando o dito conceito ainda engatinhava. Ela foi uma pioneira ao esboçar a vida na favela como ela é por dentro – uma vida dura, mas que pode ser carregada do lirismo das coisas simples. Não à toa, seus relatos de miséria, fome e crueza da vida de uma mãe de três filhos se tornaram uma traduzida para mais de 10 idiomas, com 80 mil cópias vendidas.
O sucesso de Carolina no fim dos anos 1950 se localiza no mesmo momento da linha do tempo da cultura brasileira em que a favela e a periferia começam a ser olhadas pela arte de maneira levemente mais sensível – apesar do já eterno papel de espetacularização da pobreza e da violência reservado pela mídia a este tipo de ocupação urbana. Datam da mesma época de Quarto de despejo grandes obras do cinema nacional sobre o tema, como Rio Zona Norte (1955), de Nelson Pereira dos Santos, além da (re) descoberta de grandes compositores favelados do samba através da bossa nova.
Resgatada principalmente pelo movimento negro depois de décadas de esquecimento, a história da escritora, além de contribuir para a literatura brasileira como um todo, ajudou a formar a própria ideia de identidade na favela – conceito caro e importante, que conhecemos tão bem e do qual tanto nos orgulhamos.
Lembrar de Carolina Maria de Jesus um dia depois da comemoração de seu 103º aniversário é batalhar para manter esta memória viva e de maneira permanente. É sonhar com o quanto de potência de tudo podemos ver acontecer em espaços reservados ao nada. É celebrar as muitas guerreiras que vivem em barracos, mas que não deixam de admirar as estrelas.