Diante dos fatos, diante das notas, diante das cartas dos acadêmicos. O Fórum Social de Manguinhos Coletivo do qual eu faço parte, vem colocar sua posição sobre o Ato ocorrido na UERJ em 14/10/2014.
Rio de Janeiro, 13 de Novembro de 2014.
O Fórum Social de Manguinhos, organização popular de favela, que existe desde 2007, vem a público dizer que esteve presente no ato realizado na UERJ (auditório 93) em 14/10/2014. Por conseguinte, vem dizer que apóia os movimentos e organizações que estiveram presentes ou que a posteriori reconheceram a legitimidade da ação realizada, reconhecidamente os estudantes do curso de história (UERJ), FAFERJ (Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro) e Justiça Global.
A mesa de debate do lançamento do livro “Os donos do Morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro”, que aconteceria na UERJ na referida data, com a presença de Frederico Caldas e Robson Rodrigues, atual e ex coordenador das UPPs soou para nós, um coletivo de favela “pacificada”, como uma ode às mortes que vivenciamos ao longo de nossa existência enquanto moradoras de favelas, mas principalmente como aval às mortes que a polícia dita “pacificadora” tem impetrado nas favelas da cidade. No caso de Manguinhos, especialmente, perdemos cinco moradores assassinados por policiais da UPP, quatro deles jovens, pelo menos um torturado.
Destacamos que, quando pesquisadores e organizações se posicionam acusando-nos de “autoritários” e “antidemocráticos” pela intervenção que deu fim ao debate na UERJ no dia 14/10/2014, esquecem que pra nós a interrupção de muitos eventos na favela (pela polícia militar) é lugar comum, que os nossos eventos, da mesma forma são interrompidos, portanto, o ato ocorrido é legitimo e tem valor simbólico na medida em que demonstra principalmente para a academia (majoritariamente) apática, o que nós moradoras e moradores de favelas sofremos cotidianamente.
Por outro lado, queremos expor aqui o que os catedráticos não dizem nas suas pomposas notas e cartas bem escritas e encaminhadas à alta roda acadêmica, branca, elitista e antes de tudo racista, acusam-nos de antidemocráticos por afirmarem que não queremos, ou não permitimos que houvesse o diálogo, mas reafirmamos como disse uma companheira nossa: “não dialogamos com quem nos mata”, mas durante muito tempo cometemos o erro de tentar o diálogo, como por exemplo, em 2013, quando o Fórum Social de Manguinhos, junto com outros movimentos sociais e organizações da sociedade civil realizou uma ocupação na Central do Brasil com o objetivo de pautar o fim das mortes de jovens nas favelas e periferias, exigimos (já que propor seria condescendente demais), várias coisas relacionadas à formação policial, às intervenções, às revistas, ao tratamento, ao respeito, etc., e o que recebemos? Mais mortes! Manguinhos, Rocinha, Alemão, entre outras favelas “””pacificadas””” perderam jovens, idosos, mulheres, crianças. O diálogo não se faz possível com quem nos mata, o anuário da Segurança pública, publicado há alguns dias (pelo mesmo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que nos chama de autoritários) é prova cabal e estatística (tão valorizada pelos excelentíssimos pesquisadores)quando atesta que as polícias do Rio de Janeiro foram as que mais mataram em 2013, isso porque os dados se referem a policiais em serviço, pensemos nos casos em que os policiais estão “fazendo bico”, ou ainda no altíssimo numero de desaparecidos e na ação das milícias.
Por fim, bradamos a legitimidade e importância do ato ocorrido na UERJ, e clamamos pelo respeito aos coletivos, organizações e indivíduos que se colocam contra a falácia da “pacificação”, contra o terrorismo de Estado e contra o Estado de exceção imposto a nós nas favelas. Não admitimos que pesquisadores, acadêmicos, jornalistas ou qualquer pessoa nos rotule de autoritárias ou antidemocráticas por não aceitarmos mais sermos caladas e termos nossa voz e relatos deslegitimados pela academia que se faz de ingênua quando finge não saber que as ações arbitrárias e violentas da Polícia Militar são estruturais. Os policiais brasileiros são treinados para matar, para eliminar um pseudo inimigo que tem cor especifica, que tem endereço, alijado de todos os direitos desde o mais básico, a vida.
Pelo direito à vida nas favelas! Vida desde o seu mais tênue significado, até a possibilidade de estar, de ser e de querer. Pelo direito de dizer, e de não nos permitir calar.
Não ouviremos caladas! Abaixo à defesa da militarização da vida, abaixo à defesa do uso do caveirão!
Não aceitaremos mais que a academia mantida com nossos impostos e a apropriação do nosso conhecimento legitime nossa morte física, cultural, mental, subjetiva.
Coletivo do Fórum Social de Manguinhos