Querido ex-presidente Barack Obama,
Eu lhe escrevo esta carta aberta como forma de expressar meus sentimentos sobre não estarmos frente a frente em sua passagem pelo Brasil.
Enquanto você brilhantemente discursava sobre empreendedorismo, economia e falava aos nossos sobre a importância de um olhar mais maduro para a educação dos pequenos, uma creche era incendiada em Minas Gerais por um funcionário com desequilíbrio psicológico.
Eu estava sentada ao lado de uma mulher com marcas físicas e emocionais de um relacionamento abusivo, logo após a mesma sofrer um aborto e, horas antes, conversava com outra que teve seu filho solto recentemente da prisão e que acaba de descobrir um câncer de mama.
Não. Eu não estava no Restaurante Fasano, com o meu melhor vestido, aquele, de veludo verde. Não. Eu não estava com você ontem, Obama, contando para você, com a ajuda de uma tradutora, a história da minha mãe e das outras mulheres da minha rua. Ontem, eu estava na mesma batalha de sempre: ser uma mulher que sobrevive e segue fortalecendo outras mulheres para lutarem por uma vida melhor para os que vivem nas favelas do Rio de Janeiro.
Acordei pensando nisso. Na verdade, eu nem dormi.
Fiquei chateada, revoltada por perder mais essa oportunidade de estar com você – confesso!
É que nessa busca por provar que, sim, somos bons, que também temos talentos, nossas vozes ainda são silenciadas e, mesmo que apareçam tantos buscando nos alavancar, parece pesado demais.
Se eu fosse uma das convidadas, o que eu lhe diria? O que valeria a pena te contar sobre mim? Em que pontos minha história tocaria você?
Eu. Mulher, negra, periférica. Potência!
Talvez, eu fosse me emocionar muito e não teria palavras para dizer o quanto tenho medo de fracassar. Medo da realidade ser maior do que eu. Medo de que minhas tentativas de mudar as coisas sejam quimeras, sonhos apenas. Medo das expectativas que essas mulheres e outros colocam sobre mim. Eu, talvez, iria te pedir pra ouvir as histórias das mulheres que trago comigo. Cada uma que compartilha suas dores e lutas.
Obama, como você fez para não perder a coragem diante de tantas batalhas? Como eu posso me entender se me sinto, muitas vezes, muito pequena diante da imensidão de batalhas que precisam ser enfrentadas?
Olho meu vestido verde.
Eu me imagino ao seu lado. Bonita, feliz, plena.
Aliás, eu não me via na plateia, me via naquele palco te entrevistando.
Eu me imagino entregando as reivindicações das mulheres da minha cidade, da minha rua. Pode ser tudo um conto de fadas. Mas não é. Você é de carne e osso. Eu também. Somos feitos de uma matéria forte. Não posso ter medo de ser eu mesma. Porque você chegou na Casa Branca, como presidente dos EUA, sendo você. E levou junto os sonhos e as lutas de mulheres e homens negros pelo mundo. Do meu tamanho, do jeito possível, por onde eu for, vou levar junto comigo as histórias das pessoas que são silenciadas.
Sabe por que eu não desisto? Porque ainda me inspiro em você e em tantos outros por aqui. Eles estão na mídia, mas estão na minha rua também.
Eu me inspiro em cada mulher que resiste e compartilha sua história comigo.
Eu me inspiro no Joel Luiz, no Gelson Henrique, na Ana Paula Lisboa, na Eliane Rosa, nos meninos do passinho, na senhora que arrasta seu carrinho para vender recicláveis, na dona Albertina, que limpa nossa rua todo dia, mesmo vivendo várias questões sozinha.
São por eles que a gente ainda acredita em potências como você.
E, quando eu puder sentar ao seu lado, quero te contar das histórias de mulheres fortes que lutam, dia a dia, para que seus filhos não sejam assassinados, mas que sejam candidatos a presidente do meu país.
Aliás, você precisa conhecer as nossas escolas em áreas de conflito. Os nossos professores, sem salário, nossos amigos com projetos de transformação que estão mantendo tudo de pé.
Aqui, temos uma promessa que é levada à sério: somos nós por nós.
Espero que você tenha visto a Dandara Barbosa pelo evento. Junto ao Vitor, ela foi e nos representou com tanta coragem que só fortaleço o que te disse nessas linhas. Por ela e por tantas, resistimos e acreditamos.