Carta às filhas que não têm mãe

Créditos: Reprodução Internet

Companheiras,

Não nos conhecemos. Não sei de seus rostos nem gostos, não sei onde moram, mas conheço a estranheza que é viver sem mãe. Eu, por exemplo, me dou conta disso nas coisas mais bobas: simplesmente não corro mais para desvirar o chinelo e nem me desespero para comprar presente no Dia das Mães. Quando saio à noite e vejo que posso estar em uma situação de risco, sou a primeira a pensar: “não tenho mãe para procurar meu corpo na vala, é melhor eu me mandar daqui”.

Passamos por diversas fases nessa viagem sem volta. A fase da notícia, dos documentos, da escolha do caixão, do cemitério, do enterro, da missa de sétimo dia, da missa de um mês. A fase da raiva incontrolável. Parecia que a cada vez que alguém mencionava a expressão “a minha mãe…” era como se estivessem me dando um tapa. Como alguém ousa falar de mãe perto de mim? Eu queria que todo mundo esquecesse essa palavra. Mas nada foi pior do que tentar justificar o ocorrido: “estava na hora dela descansar” ou “sua mãe era tão boa que Deus a levou para ficar perto Dele”. Por causa da última frase, confesso que por várias vezes mandei Deus para um lugar não muito confortável.

Logo depois vêm as ocasiões embaraçosas, grandes ou pequenas. Não temos mãe para escrever no Facebook no dia do nosso aniversário nem para nos aplaudir nas nossas formaturas. Não temos mãe para ligar e ouvir um “eu te amo”, e até hoje me sinto estranha quando alguém liga pra mãe do meu lado. Não temos alguém que pegue no pé dos nossos namorados, que relembre como éramos comilonas quando crianças. Nossa infância morre. E a pior dor de todas: nossas mães não nos verão vestidas de noivas nem verão o rosto dos nossos filhos. Eles não vão sentir o gostinho de serem mimados por vó. Foram meses até eu conseguir pensar nisso sem chorar – ainda não sei se consigo.

Companheiras, queria saber como vocês se sentem quando caem doentes sem ter mãe para cuidar ou só ligar. Como reagem quando sonham com ela. Se vêem fotos para matar a saudade ou se preferem não olhar nada para não sofrer mais. A nossa rotina vai durar para sempre, a dor e a saudade também. Sentimentos vazios para quem não sabe o que é, mas que, para nós, têm significados complexos e angustiantes.

Depois de um tempo, sabemos que vêm o período da aceitação e do amadurecimento. Falamos de nossas mães com orgulho, contamos “causos” hilários e rimos de tantas histórias bonitas que nos unem. Nossas mães viram amigas imaginárias, com quem conversamos mentalmente só para manter a sanidade. Devo dizer que não somos saudáveis o tempo todo: seja indo para o trabalho, no ônibus, na cama ou no barzinho, o peito aperta e a gente chora. Assim do nada. Desespero e pânico. Mas, no outro dia, sempre levantamos e continuamos a dar orgulho para nossas mãezocas, onde quer que elas estejam (na realidade, a gente levanta cedo é para trabalhar mesmo, porque não tem mais ninguém pra emprestar dinheiro quando ficamos duras…).

Dia 17 de Dezembro, minha mãe faria 63 anos. Dedico esse texto a ela, razão de toda minha saudade, solidão, amor genuíno e tristeza. Também dedico a todas que vêm enfrentando a mesma barra dia após dia.