Poesia, prosa, teatro e rimas de improviso criadas nas favelas estão cada vez mais metendo marcha na escrita, publicação e promoção da literatura. Isso resume a roda de conversa Os Futuros pela Favela: Diálogos Insurgentes Provocados pela Periferia Brasileira de Letras, agorinha na Casa da Favela, na Flip, em Paraty.

Com chuva rala do lado de fora e temor de queda da energia, dentro, uma constante na Flip, cerca de 30 pessoas se espremem para, interessadíssimas, conversarem sobre as utopias literárias nas quebradas.

Uma dúzia de crianças e adolescentes da Escola Comunitária Cirandas foram trazidas pelos professores de História e Geografia. Somando os visitantes flutuantes do debate, que entram para dar uma espiadinha, 60 pessoas passaram pela Casa da Favela em duas horas de conversa.

Segundo o mediador Felipe Eugênio, da Periferia Brasileira de Letras (PBL), iniciativa da Fiocruz, “falar sobre o futuro é sempre necessário para projetar o país que a gente quer ter. Como a periferia poderia pautar essa discussão?”

Várias respostas foram dadas, todas olhando pra frente. Mas sem ilusões, entendendo o cenário de um mundo que não está fácil, mas insistindo, ao menos, na pergunta: como recuperar, mais do que a esperança, o caldo cultural que possa promover mudanças?

Um editora afrofuturista

Anderson Lima veio falar pela Kitembo, editora afrofuturistas nascida da articulação de manos da Brasilândia, zona norte de São Paulo. Os agitadores culturais frequentavam saraus, como Elo da Corrente, famoso na capital paulista, iam em escolas dar oficinas e, claro, passaram a olhar cada vez mais adiante.

Em 2017, fundaram a editora Kitembo “porque a gente começou a se identificar com o Afrofuturismo. Entendemos que éramos afrofuturistas, mas não nos víamos representados na ficção científica”. A editora veio para preencher essa lacuna. Quer reunir o maior número de pessoas pretas, ilustradores e escritores, iniciantes ou tarimbados.

Segundo Anderson Lima, “afrofuturismo é um movimento estético, político e filosófico, que coloca no centro a ancestralidade africana e dos povos das diásporas, buscando se reconhecer de uma forma positiva”.

O futuro nas bibliotecas comunitárias

De Nova Iguaçu, Isabela Escalante ajuda a construir o futuro atuando em uma rede de bibliotecas comunitárias. A Rede Baixada Literária é comandada por 25 mulheres. Algumas estão em áreas rurais.

Estudar políticas públicas e promover mediação de leitura são os focos do trabalho, que tem articulação nacional.

As bibliotecas comunitárias passaram a ser espaço de referência dos moradores para discutir problemas sociais, como o do próprio livro, “caro para fazer, caro para comprar, caro para distribuir”, diz Isadora.

Da articulação das mulheres que lideram as bibliotecas comunitárias, em Nova Iguaçu existe uma lei de incentivo ao livro e leitura há dez anos, com destinação orçamentária de 2% da verba da secretaria de Cultura. “A gente nunca viu esse dinheiro chegar. Mandamos ofícios ao gabinete do prefeito para exigir que os recursos cheguem”.

O futuro da literatura está nos botecos

Felipe Valentim é um criador de realidades improváveis, como promover literatura em botecos. Educar e editor, criou o Role Literário em Cascadura, subúrbio do Rio de Janeiro. “Que a gente tenha mais botequins com literatura. Que o cara possa parar para comprar um refrigerante, tomar uma cerveja e também ler um livro”.

O projeto começou em 2019. Envolve produção de livros, saraus, oficinas. “O lance não é só produzir literatura, mas produzir a cena. O Role Literário é um projeto para o sonho, para o futuro.”

Com uma hora e meia de conversa, o último debatedor é Juliano Fiori, do Instituto Alameda. Pesquisador, faz parte de um grupo que vem abrindo picadas em territórios de catástrofe “para criar e organizar futuros”.

O Instituto Alameda reúne pesquisadores engajados em lutas sociais contemporâneas no mundo todo. Pretendem propor soluções, principalmente nas periferias. “Vemos a catástrofe como ameaça que estrutura nossa imaginação política, como o desastre ecológico”.

Rodas de conversa de ontem na Casa da Favela

Após a mesa que abriu a programação de debates sobre literatura na Casa da Favela, pela manhã, a primeira roda de conversa da tarde começou com sol forte, e a segunda, no começo da noite, ficou no escuro, interrompida por mais uma queda de energia elétrica em Paraty, fornecida pela Enel.

Itamar Silva começou brincando com o apelido de “reliquia”, mas logo partiu o assunto serio, a centralização das produções culturais no Brasil. Liderança histórica do Morro Santa Marta, no Rio de Janeiro, para ele a questão central são as várias centralidade das cidades, alertando que “não há apenas um caminho a ser seguido pela cultura, é uma forma de reconhecimento da trajetória de todos na luta”.

Um dos significados de multicentralidade é pluralidade, conforme Tamiris Coutinho, autora do livro Cai de Boca no Meu B*c3t@o. Ela realçou que o funk é plural porque retrata a diversidade da periferia. “O que mais amo é que você encontra tudo que procura, amor, putaria, funk consciente, relíquia.”

O Secretário de Formação, Livro e Leitura do Ministério da Cultura, Fabiano Piúba, falou de bibliodiversidade, que tem significa olhar não são para questões como etnia, gênero, faixa etária, sem desconsiderar a questão social. “É importante que ela seja a centralidade das políticas públicas no campo da cultura.”

Antes de acabar a energia elétrica, começou a roda de conversa sobre novas antropofagias e a favelofagia, ou como a criação literária das periferias se relaciona com a questão da chamada excelência estética

Deu tempo de Jéferson Assumção, diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, falar sobre a importância da literatura ser compreendida como procedimento. “A literatura não é sobre e sim, como.”

O debate precisou ser interrompido por causa de uma queda de energia em toda a cidade de Paraty. Pior para quem estava no centro histórico, onde ainda chovia. A Enel alegou que fazia reparos na rede após a queda de um raio.

A energia elétrica voltou às 22h50, após quase três horas à luz de velas.

Veja o que rola ainda hoje na Casa da Favela

15h – O impacto psíquico do capitalismo neoliberal nas periferias

JRoberta Eugênio (MIR)

Joelson Ferreira (Teia dos Povos)

Juliana Henrique (psicanalista e historiadora)

Moderação: Gabriel Tupinambá (Alameda)

MEDIAÇÃO: Juliana Henrique (psicanalista e historiadora)

 

18h – Da periferia para o mundo: a busca pelo futuro em tempos de catástrofe

Thiago Canettieri (UFMG/Alameda)

Sabrina Fernandes (Alameda)

Felipe Eugênio (PBL/Alameda)

Tulio Custódio (Alameda)

MEDIAÇÃO: Juliano Fiori (Alameda)

19h30 – Lançamento da Revista Negro em Cena, de Ierê Ferreira

20h30 – Samba e funk com Pipa Vieira e DJ Grandmaster Rapahel

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