O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um processo, nesta terça-feira, 3, para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), no julgamento que inocentou o empresário André de Camargo Aranha, acusado de estupro de vulnerável. O crime foi praticado contra a a promoter e blogueira Mariana Ferrer, de 23 anos, em 2018, em um beach club, em Santa Catarina. Ministros de tribunais superiores também criticaram a atuação de Rudson Marcos.
André de Camargo Aranha foi inocentado, em setembro deste ano. O juiz do caso considerou o empresário inocente, aceitando a argumentação do Ministério Público, que definiu caso como “estupro culposo”, o que não é previsto na lei brasileira como um crime. Como não há pena para um crime que não existe, o empresário foi absolvido da acusação
O caso voltou à tona nesta terça-feira, 3, após o site The Intercept Brasil revelar o conteúdo contido em vídeo da audiência, que mostra o advogado de defesa de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, humilhando a promoter, acusando-a de dissimulada e mentirosa, e mostrando fotos sensuais dela, sem qualquer relação com o fato apurado, como uma maneira de desqualifica-la. O magistrado responsável pelo caso não interveio em nenhum momento, nem quando o advogado que defende o acusado afirmou que a vítima tem como “ganha pão” a “desgraça dos outros”, tampouco quando foram mostradas fotos sensuais de Mariana sem qualquer relação com o fato apurado.
O pedido de investigação contra o juiz Rudson Marcos foi apresentado pelo conselheiro do CNJ Henrique Ávila. “O que eu assisti é chocante. Precisamos avaliar aprofundamente para apurar responsabilidades”, disse Ávila. “As chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual”, escreveu o conselheiro no pedido.”
Conteúdo do vídeo
Em um dos momentos da sessão, Mariana repreende o advogado falando que o mesmo estava cometendo assédio moral contra ela. “Muito bonita por sinal, o senhor disse, né? O senhor tem idade para ser meu pai, tinha que se ater aos fatos”. Porém, Gastão continua a atacar a jovem. “Graças a Deus eu não tenho uma filha do seu nível e peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher como você”.
A audiência segue com o advogado do réu analisando fotos de Mariana da época em que era modelo, alegando que a vítima não era santa, pois as fotos tinham “posições ginecológicas”. Sem ser interrompido, Gastão continua a humilhar a jovem falando que não adiantava a jovem “vir com o choro dissimulado, falso e lágrima de crocodilo”.
O vídeo termina com Mariana, aos prantos, pedindo respeito. “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”.
Acusado é inocentado
Em setembro deste ano, o acusado pelo estupro de Mariana, André de Camargo Aranha, foi inocentado com a alegação final, feita pelo promotor Thiago Carriço de Oliveira e aceita pelo juiz Rudson Marcos, de que não havia intenção de estupro.
Segundo o promotor, sua decisão foi feita pois ainda não existia comprovações técnicas de que a vítima estaria sob efeito de drogas. Como base de seu argumento, Carriço utilizou a premissa de que quando o estupro é cometido contra menores de 14 anos, porém o agressor não tem noção da idade da vítima, é retirada a condição de estupro de vulnerável. “Se a confusão acerca da idade pode eliminar o dolo, por que não aplicar-se a mesma interpretação com aquele que mantém relação com pessoa maior de idade, cuja suposta incapacidade não é de seu conhecimento?”, questiona o promotor no documento.
Repercussão nas redes sociais
Tanto o vídeo quanto a sentença final do caso de Mariana Ferrer fizeram com que diversas pessoas fossem às redes sociais pedir um posicionamento sobre os ataques e também justiça pela jovem. As hashtags “Justicapormariferrer” e “Não Existe Estupro Culposo” figuraram as primeiras posições dos assuntos do momento do Twitter nesta terça-feira.
Ministros de tribunais superiores também condenaram a atuação de Rudson Marcos, entre eles o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
“As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram.”, escreveu ele em uma rede social.
Também foi criado um abaixo-assinado pedindo justiça pelo caso, que até a manhã de quarta-feira, 4m contava com mais de 3,5 milhões de assinaturas. Acesse aqui.
Abaixo o vídeo da audiência onde Mariana Ferrer é atacada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho
Estupro culposo não existe. Que absurdo é esse? Não existe estupro sem a intenção de estuprar. O nome disso é crime! É a Justiça perpetuando o machismo e as violências contra a mulher. Inaceitável! #justicapormariferrer
— Marcelo Freixo (@MarceloFreixo) November 3, 2020
NÃO EXISTE ESTUPRO CULPOSO!!! A vítima tem culpa da agressão??? só podem estar loucos.
Os verdadeiros culpados estão aqui…
Aquele que cometeu, aquele que a humilhou ainda mais e o representante da sua própria lei 💸 #justicapormariferrer pic.twitter.com/UgMyqX0SFG— vitt 🏳️🌈⃤ (@vibespri) November 3, 2020
Não existe estupro culposo. Estupro é estupro e nenhuma aberração jurídica pode mudar isso! #justicapormariferrer
— Randolfe Rodrigues 🇧🇷 (@randolfeap) November 3, 2020
Inventaram uma lei para inocentar um estuprador. VCS VEEM A GRAVIDADE DISSO?
Como uma mulher vai se sentir segura para denunciar um estupro, se a própria JUSTIÇA BRASILEIRA INVENTA UMA LEI PARA ABSORVER O CULPADO?NÃO EXISTE ESTUPRO
CULPOSO#justicapormariferrer pic.twitter.com/RtwocSZVPi
— evinha (@eva_brenda_) November 3, 2020