O governo da Indonésia anunciou no começo da semana a próxima transferência da capital, Jacarta, da ilha de Java para a ilha de Bornéu, que são duas das 17 mil 508 do arquipélago que forma o país. Cidade mais populosa, a capital afunda a olhos vistos e estima-se que até 2050 boa parte esteja submersa. Enquanto você lê estas mal traçadas linhas, mais e mais indonésios dos 18 milhões que habitam a região metropolitana de Jacarta tentam salvar o possível de suas casas e seus pertences ameaçados pelo água poluída.
Mas por que o mar se rebela, a ponto de subir quatro metros em meio século e avançar 25 centímetros por ano na região norte da cidade? Fatores históricos, como a utilização de água subterrânea por mais da metade da população, aliados a eventuais acomodações das placas tectônicas e ao crescente aquecimento global que avoluma mares e oceanos, respondem a pergunta. Mudar a capital para outra ilha, mais segura, é obra orçada em 34 bilhões de dólares, que começará em breve, para retirar os moradores de Jacarta a partir de 2024. Avalia-se, desde já, que muitos não serão transferidos e afundarão por falta de recursos, sobretudo os que não vivem na região montanhosa e rica.
A esta altura você poderá se perguntar por que estou tratando de uma questão tão longínqua, quando os descalabros brasileiros nos agridem diariamente. E eu digo apenas que a situação indonésia é global e exige apoio internacional para que os danos sejam restritos ao mínimo possível. O que já será muito, pelos números aqui apresentados. As questões humanas que ameaçam o ambiente precisam ser encaradas por toda a humanidade, como ficou evidente na queimada de proporções amazônicas que enfrentamos.
À frente do país de 260 milhões de habitantes, o presidente indonésio Joko Widodo está atento e aberto à cooperação mundial, enquanto o presidente dos 210 milhões de brasileiros despreza dados científicos, vê desonestidade em qualquer número e sequer acredita em aquecimento global. Dá-se ao luxo de exigir desculpas de quem oferece dinheiro para combater as queimadas e chega até a acusar as ONGs pelo fogo cuja inspiração partiu dele próprio e da sua insana cruzada para destruir o país.
A consequência imediata das queimadas incentivadas pelo presidente foi o comunicado do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil ao ministro Ricardo Salles, o destruidor do meio ambiente, de que 18 marcas internacionais do porte da Timberland, Vans e Kipling suspenderam a compra do couro brasileiro. Motivo: associação feita entre as queimadas e o agronegócio. Os exportadores sentem no couro e no bolso o retrocesso despejado pela boca presidencial e alimentado a todo instante por sua mente conturbada. Eles, como os militares, os homens de negócios e os de bem, os banqueiros, os bispos e pastores de gado humano, os assassinos de aluguel, enfim os reacionários do ódio e do atraso, todos são responsáveis por esse mergulho do país nas trevas.
Voltando à Indonésia, só para fechar o raciocínio, a ministra Teresa Cristina, da Agricultura, andou por lá em maio e regressou a Brasília animada, anunciou a próxima exportação de carnes brasileiras para o país, através de dez plantas de frigoríficos, instaladas em sua quase totalidade na região sul. Não se falou mais no assunto, até o começo desta semana, quando velas começaram a ser acesas naquelas bandas em oração de arrependimento e penitência pelo terrível engano cometido nas urnas. E a esperança de dias melhores para a economia da Indonésia, porque aqui está difícil.