Foi inaugurado na terça-feira 19, em Itu, São Paulo, o Centro de Memória Presidente Michel Temer, dentro da Faculdade de Direito onde ele foi professor e diretor muito antes de alcançar os píncaros da política nacional. O acervo inclui cerca de 76 mil itens reunidos durante o meio mandato apenas em que ocupou o Palácio do Planalto, uma quantidade exorbitante, mas o jornal informa que mais da metade são reproduções de e-mails (47.392). Para não ficar caracterizado como centro de fofoca ou de espionagem eletrônica, estão expostos, também, fotos, presentes recebidos, discursos em encontros internacionais, mensagens enviadas e recebidas e documentos de viagens. As gerações futuras têm garantido o acesso à burocrática e entediante memória do período Temer. A julgar pela carta chorosa que escreveu para Dilma ainda quando era vice decorativo, imagino a indigência do material exposto, um amontoado de mesóclises empoadas sob o título geral “Tem que manter isso, viu?”
Não constarão entre os papéis, por exemplo, a entrega do Pré-Sal nem a renúncia ao trilhão de reais de impostos em benefício da Shell, nem os ataques frontais contra os trabalhadores, que vão desde a terceirização geral da mão de obra e a retirada dos direitos consagrados na CLT até a sutileza de incluir supermercados nas atividades essenciais, eximindo assim o empregador de pagar hora extra e reduzindo em cerca de um terço o salário do empregado. Tampouco estarão em exposição pública as tentativas de responsabilizá-lo judicialmente por corrupção ou as nebulosas relações no Porto de Santos. Finalmente, nunca o Ministério Público questionará a origem dos fundos para o centro, nem como o acervo foi transportado, quem pagou, onde ficou guardado, nada do que preocupa quando se trata de Lula.
O Centro de Memória Presidente Michel Temer figura entre instituições semelhantes dedicadas a José Sarney, no Maranhão, e Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo. Mais do que reunir memórias de ex-presidentes, os centros são lembranças vivas do Brasil escravocrata, racista, reacionário e escroto, perenizadas como muito importantes para todos, mas que espelham somente o interesse dos segmentos no comando da situação ao longo da história.
E nossa história tem um lado muito bem definido, o do poder estabelecido, porque não reunimos condições básicas de educação, cultura e desenvolvimento para forjar a nacionalidade brasileira. E quando circunstâncias especiais dão espaço a governos que destoam, como o segundo período Vargas, ou Jango ou Lula, a reação conservadora é violenta, massacrante, reduz tudo a terra arrasada. Não basta interromper programas e projetos em benefício da base, é preciso devolver esta base às condições em que sempre viveu e atribuir o retrocesso ao governo anterior. Para maior garantia, não deve haver endereço onde se exponham resultados de políticas aplaudidas no mundo nem estatísticas do combate à desigualdade e à fome.
Nada de Instituto Lula, nem pensar no Memorial João Goulart. O negócio é Centro Michel Temer para memorandos e e-mails, cartões de embarque e lembranças de viagens. É manter na vitrina a caneta usada na Lei Áurea, sem dizer da luta que levou a ela, das suas implicações na economia, na política, na cultura e na sociedade brasileira. Tudo banhado na santa e ingênua ignorância do nosso povo, que acredita bestamente nas coisas. Afinal, o que esperar de quem compra caneta ungida para fazer concurso público, leva água para o pastor benzer e acredita que vassoura de varrer o chão sujo tem poderes?
Para manter o mínimo de coerência histórica e intelectual, o Centro de Memória Presidente Michel Temer devia incluir um rolo de papel higiênico pela metade, com a inscrição “último papel usado pelo presidente em sua obra no governo”. Seria um toque de sinceridade em meio às bobagens em exposição.