As dificuldades em lidar com a tecnologia não impediram os monges do templo Honpa Hongwanji do Brasil, no bairro da Chácara Inglesa, em São Paulo, a realizar os ofícios matinais e memoriais de forma virtual. Segundo o Rimban (bispo) do templo, Mário Hirofumi Kajiwara, cada um está dando o melhor de si para fazer com que a adaptação tecnológica seja eficiente. “Foi algo que nos pegou de surpresa, não estávamos preparados, mas não queremos correr riscos desnecessários”, explica.
Na Paróquia Santa Catarina de Alexandria, na Vila Santa Catarina, as missas estão sendo celebradas de modo on-line desde o auge da pandemia. Para o padre assistente da paróquia, Leomar Nascimento de Jesus, modificar a maneira que a celebração acontece não significa só transportar para o virtual, mas também a forma de se estar presente nesse momento. “Muitos fiéis ficam tocados por estarmos fazendo o esforço de levar a palavra, mesmo que não possam comungar, dar a presença de cristo de outra forma na vida deles”, aponta.
Também na Vila Santa Catarina, o bispo Sidney Martins dos Anjos, da Igreja Batista Shalom, diz que no momento está ocorrendo cultos presenciais com até 60% da capacidade total. “Os cultos voltaram só de forma on-line com três ou quatro pessoas trabalhando com lives. Com a liberação do governo, voltamos para o presencial, tomando todos os cuidados, medida de temperatura, álcool gel e distanciamento”, declara.
Mantendo as mesmas preocupações, a Mesquita da Misericórdia Sobem, na Cidade Ademar, voltou os seus trabalhos religiosos internos quase quatro meses após o decreto da quarentena. Neste intervalo, eles celebraram o Ramadã, ritual de jejum, de forma virtual. O sheikh Caido Bashir Mudera explica que com a liberação do governo para manter uma lotação de 30%, a participação presencial está restringida apenas para homens que não estejam no grupo de risco.
Na casa espírita Grupo Socorrista Doutor Bezerra de Menezes (GSBM), no bairro Jardim Prudência, Zona Sul de São Paulo, os trabalhos não pararam, mas foram adaptados. A casa recebia semanalmente para tomar passes cerca de 1.200 pessoas, entre adultos, jovens e crianças. Segundo Andrea Batista Muniz Medeiros, vice-presidente do centro, a ideia de fazer algo veiculado na internet já existia antes da quarentena, porém ainda era embrionária.
Com a pandemia, o projeto tomou forma e agora o grupo tem um canal no YouTube para transmissão de aulas aos alunos dos cursos de doutrinação e palestras para frequentadores. Outra novidade é o uso de aplicativos para reuniões, orações em grupo, evangelização das crianças, auxílio de pessoas dependentes químicas e até mesmo para manutenção dos passes espirituais a distância.
A mãe Paula de Iansã, líder do terreiro de candomblé Axé Ilê Obá Axé, na Vila Fachini, e o pai Roberto de Oxóssi, dirigente espiritual do terreiro de umbanda Seara Espírita Fé, Esperança e Caridade, na Vila Marari, resolveram interromper por tempo indeterminado as celebrações e festividades.
Ainda assim, optaram por usar aplicativos para aulas do curso teórico de mediunidade, no caso da umbanda, e para atendimento individual de pessoas pela mãe Paula. “Um terreiro de candomblé tradicional tem muito contato, então, quando você vai tomar um passe com uma entidade, você fica cara a cara com a pessoa. Não tem como falar para a entidade, que é uma incorporação, para ficar a um metro e meio de distância”, relata mãe Paula.
Fé ajuda a lidar com incertezas da pandemia
Para a psicóloga Camila Marques da Paz Gomes, neste momento de incertezas e calamidade, a espiritualidade funciona como suporte para lidar com dores intensas. Ela alerta ainda que só é possível exercitar uma boa prática de saúde quando todos os aspectos que compreendem o ser humano são considerados, entre eles o espiritual.
A afirmação da psicóloga vai ao encontro do que pensam todos os líderes aqui entrevistados. “Nós, umbandistas, acreditamos que esta pandemia de alguma forma fará com que as pessoas tenham uma visão diferente do mundo. Nos ensinará a respeitar, amar, valorizar cada amanhecer, nossa família e os pequenos detalhes”, comenta pai Roberto de Oxóssi.
Segundo o padre Leomar, a espiritualidade é uma das principais dimensões da vida, ensina a ser resiliente e dá a capacidade de encontrar razão e sentido mesmo quando não é atendido da maneira que deseja. Para Andrea Medeiros da GSBM, a fé oferece sustento, tranquilidade e conforto, aspectos fundamentais em momentos como o atual.
Desrespeito à ciência e à vida deve ser combatido
Segundo Camila Gomes, a religião não precisa ir contra preceitos científicos, pois é possível refletir e ponderar razão e emoção através de conhecimento acessível a todos os púbicos. Para a psicóloga, quando o fanatismo ganha força, as pessoas tendem a ficar limitadas a uma visão e podem acreditar com mais facilidade em informações errôneas e distorcidas sobre os fatos.
Para o pai Roberto de Oxóssi, uma das tantas preocupações é quando as pessoas fazem da fé um aliado para todas as atitudes de sua vida. Ele afirma ainda que não se pode pensar que apenas a fé irá salvar as pessoas de um vírus. “Seria imprudência substituir um remédio orientado por médico, por um passe. Somos humanos, sentimos dores e enfermidades, se houver necessidade de um médico, um remédio, temos que ter maturidade e principalmente responsabilidade”.
O padre Leomar explica que no passado, especialmente na Idade Média, havia essa tendência ao negacionismo. Hoje a igreja tende a ter um diálogo com a ciência e encara a pandemia como uma realidade humana que deve ser enfrentada com fé e auxílio da ciência. “A religião pode ser instrumento de combate, mas se a gente levar pelos trilhos da superstição, ela pode se tornar um grande problema. Tanto é que justamente os dois países ditos mais cristãos do mundo são os que têm mais vítimas, ou seja, tem um descompasso entre a pregação e a vivência do evangelho”, declara.
Descompasso também percebido pela psicóloga Camila Gomes na esfera política. Para ela, a informação pode fazer com que a população tenha um olhar mais coletivo. “As pessoas precisam enxergar saúde, emprego, saneamento e moradia como aquilo que é básico e que é direito, e não merecimento”, completa.
Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.
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