Chandra Mohanty: por um feminismo solidário e não sororidário

Chandra Talpade Mohantyfoto: wikipedia

Chandra Talpade Mohanty é uma feminista contemporânea e ativista anticapitalista, nascida na Índia, com uma licenciatura em literatura inglesa, pela Universidade de Deli, em 1974. Mohanty defende a substituição do termo feminista de “sororidade” pelo conceito de “solidariedade transnacional”.

No final da década de 1970, Mohanty mudou-se para os Estados Unidos para continuar seus estudos e onde agora vive e trabalha como professora universitária de estudos de gênero. Antes de chegar aos Estados Unidos, no entanto, Mohanty fez uma breve parada na Nigéria para ensinar literatura inglesa a alunos do ensino médio. Este momento de passagem em sua vida, como ela mesma conta em entrevistas, marcará profundamente sua biografia como mulher e como intelectual.

De fato, assim que chegou à Nigéria, Mohanty conta que logo percebeu o quanto o legado do colonialismo continuava a estruturar a sociedade nigeriana de forma decisiva. Lembremos que na época, a Nigéria assim como a Índia, era um país formalmente livre do domínio colonial da Grã-Bretanha. Mohanty percebe que o próprio fato de ela ser uma indiana pertencente à geração do pós-Independência e se encontrar ali na Nigéria para ensinar estudantes negros, em um país ainda com maioria branca do ponto de vista cultural de vista, era um sintoma irrefutàvel de como o colonialismo continuava, embora tivesse terminado formalmente, a influenciar o processo de produção de conhecimento e a forma como este era ensinado e transmitido.

Mohanty chega aos Estados Unidos no final dos anos setenta. Começa a estudar a história do racismo no país. Em particular, Mohanty queria entender o funcionamento da dominação econômica e racial nos Estados Unidos e como o capitalismo global contemporâneo ainda usava categorias coloniais, como raça e gênero, para criar o que Mohanty chama de “gênero racializado”. No interior de sua reflexão teórica, esse “gênero racializado” é representado precisamente pela mulher imigrante do terceiro mundo, fazendo parte da força de trabalho mais marginal e mais explorada pelo capitalismo global.

Qual seria então o lugar dessa mulher do “terceiro mundo” dentro das teorias feministas ocidentais?

Infelizmente, Mohanty percebeu que a voz e o lugar das mulheres do “terceiro mundo” estavam completamente ausentes da análise do feminismo ocidental e, portanto, decidiu escrever uma crítica severa. Assim, em 1986, ela publicou o ensaio “Under Western Eyes: sob os olhos do Ocidente”, que então a projetou internacionalmente. No texto, Mohanty critica o projeto político do feminismo branco ocidental e o discurso em relação às mulheres do “terceiro mundo”.

Esse tipo de feminismo, escreve Mohanty, representa um feminismo essencialista que tenta se passar por universal. Portanto, ele é inserido dentro de uma instância colonial, uma vez que esse feminismo ainda usava o pensamento binário e dicotômico para criar contrastes discursivos entre a mulher ocidental e a mulher não-ocidental.

Nas análises feministas ocidentais, as mulheres brancas eram auto-representadas como mulheres educadas de classe média, empoderadas. Eram mulheres ditas “modernas”. Em contraposição a esta representação da mulher branca se criou a imagem da mulher do “terceiro mundo”. A mulher do terceiro mundo, que emergia da análise do feminismo branco, era uma mulher pobre, sem educação, vítima do patriarcado e de tradições religiosas e familiares. Uma mulher sem autodeterminação, uma mulher fora da modernidade e, portanto, uma mulher fora da história.

É importante sublinhar aqui que o pressuposto básico desse contraste discursivo é inteiramente fictício, uma vez que não tem consequências reais na vida material das mulheres do “terceiro mundo”: é um contraste que pressupõe que a mulher branca depois de se libertar do patriarcado, da opressão de gênero, também vai libertar sua “irmã não ocidental”. Ou seja, uma abordagem ainda colonial de um certo tipo de pensamento feminista ocidental. Neste tipo de feminismo não há espaço para a fala das mulheres do “terceiro mundo”, porque elas são representadas como uma categoria monolítica estereotipada criada por mulheres brancas .

O ensaio que Mohanty escreve, em 1986, se insere historicamente no final da chamada segunda onda do feminismo. Aquele momento do feminismo em que a voz das mulheres brancas ainda era predominante, mas onde, aos poucos, a voz das mulheres não-brancas tornava-se cada vez mais presente, tanto nas lutas feministas quanto nas produções teóricas. O feminismo de Mohanty pertence ao que viria a ser chamado de feminismo interseccional, dando uma contribuição fundamental para o seu desenvolvimento. Basta pensar que o próprio conceito de interseccionalidade só será sistematizado mais tarde, em 1989. Na verdade, seria apenas no final da década de 1980 que os conceitos dos chamados “feminismo interseccional” e “feminismo pós-colonial” se desenvolveriam de forma mais contundente.

O feminismo de Mohanty critica as reivindicações universalistas das mulheres ocidentais, mas também é um feminismo que tem muito cuidado para não ficar focado exclusivamente em questões de gênero.

Os temas fundamentais do pensamento político feminista de Mohanty sao os conceitos de “fronteira” e “solidariedade transnacional”. O conceito de fronteira é fundamental para a análise das opressões femininas, visto que as mulheres são constantemente atravessadas por limites de raça, classe, gênero, religião, sexualidade e também de origem geográficas. Vimos antes a importância da posição geográfica e social da mulher do terceiro mundo em comparação com, por exemplo, uma mulher ocidental branca.

O objetivo pretendido por este feminismo é de ir além dessas fronteiras, através de lutas políticas em prol de uma solidariedade feminista transnacional. Este ponto é fundamental para entender melhor o feminismo de Mohanty porque, em sua crítica a um certo tipo de feminismo ocidental ainda colonial, Mohanty propõe substituir o termo “sororidade”, como o conhecemos, por “solidariedade”. Para a estudiosa, solidariedade significa manter visíveis as diferenças entre as mulheres, já o conceito de sororidade remeteria a uma ideia de “comum” baseado nas dores compartilhadas por todas as mulheres. O conceito de sororidade, fruto da tradição do feminismo ocidental, não seria congruente com a realidade de outros contextos.

A solidariedade, segundo Mohanty, é uma meta a ser alcançada juntos. O sujeito feminino universal não existe, mas deve ser construído por meio de lutas e práticas feministas que não devem ser hegemônicas. Segundo ela, apenas assim será possível dar mais um passo na descolonização do feminismo. Não mais, portanto, concebendo uma união de mulheres achatada na ideia de opressão de gênero em comum, mas na luta com base em suas diferenças.

Artigo escrito por Marcela Magalhães de Paula

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