Era o ano de 1998, e meu amigo Chiquinho da Farmácia, então presidente da Associação de Moradores da Cidade de Deus, convidou-me para inauguração de um espaço de cidadania na favela. Como a nossa luta sempre foi travada na direção da construção de uma cidadania ampla e definitiva, aceitei e fui. Confesso que desconfiado, preocupado porque naquela ocasião o Secretário de Segurança Pública do Estado era o general Nilton Cerqueira. O Governador, conhecido popularmente como Treme-Copo, nome de um dos personagens do meu livro o Zé Favela. Eram três personagens beberrões: Treme-Copo, Boca Nervosa e Grau-10. Este último apareceu morto em uma vala a céu aberto na favela com a marca de um corte provocado por um gargalo de garrafa de uma cachaça famosa na época.
Pois bem, o governador quando morreu, teve como causa morte, falência múltipla proveniente de cirrose hepática.
O partido do governador? PSDB, o mesmo de Aécio Neves ex-candidato derrotado à Presidência da República nas últimas eleições. Este, não conformado com a derrota nas urnas, vive pensando em terceiro turno o que fere profundamente a Constituição Federal.
Voltando à CDD-Cidade de Deus, a cerimônia prosseguia e a banda da Polícia Militar tocava o hino da Cidade Maravilhosa. A mesma polícia que muitos falam: – O último a sair apaga a luz! Mas enquanto a luz não apaga, ela continua com seus fuzis, bombas de gás, cacetetes, spray de pimenta em seus feitos e efeitos diante dos negros, pobres favelados, uns marcados, outros executados.
Então terminou o hino, passou-se para os cumprimentos. Foi quando o general aproximou-se de mim estendendo a mão para saudação. Rápido um filme me veio à cabeça, lembrei-me do Capitão Lamarca morto no sertão da Bahia pela tropa deste general. Como de praxe, enchi-me de coragem e lhe disse:- Não vou lhe apertar a mão, pois estou pensando no Lamarca.
O governador irritou-se, e me advertiu. Mantive-me com uma tranquilidade angelical, pois tenho como sobrenome, Gabriel. Respondi: – Aqui não é o inferno governador, o qual tem o diabo e seus demônios. Estamos na
Cidade de Deus!
