Numa estreia com cara de nostalgia, a TV Globo exibiu na noite de ontem o primeiro episódio de “Cidade dos Homens”, que retorna à grade no formato de minissérie de quatro capítulos. A nova versão apresenta a dupla ainda inseparável Laranjinha (Darlan Cunha) e Acerola (Douglas Silva) lidando com os dilemas da paternidade e da vida adulta. Muitos flashbacks e referências às antigas temporadas podem ser aguardadas pelo público, como visto já neste primeiro episódio, chamado de “Pais e Filhos”. Apesar das novidades, é importante lembrar que as velhas questões permanecem.
Na primeira metade dos anos 2000, “Cidade dos Homens” botou a juventude favelada nas telas da rede de TV mais vista do país. Era o auge do chamado favela movie, gênero cinematográfico em alta pós Cidade de Deus. Cineastas, roteiristas e produtores renomados do cinema nacional, como o próprio diretor Fernando Meirelles, estiveram por trás da série, que durou quatro temporadas. O sucesso tornou nacionalmente conhecidos Darlan Cunha e Douglas Silva, crias da Kelson’s e do Catumbi com passagens pelo grupo Nós do Morro, atuante há 30 anos no Vidigal.
Com uma montagem ágil, a série “Cidade dos Homens” trazia temas fundamentais ainda hoje, como a violência urbana e as dificuldades de ser pobre, negro, jovem e sem oportunidades em uma selva de pedra como o Rio de Janeiro. A gravidez na adolescência, problema de saúde pública que parece insolúvel nas favelas e periferias do Brasil inteiro, é o ponto de interseção entre a série de 12 anos atrás e a minissérie dos tempos atuais, já que Acerola e Laranjinha agora são pais.
Uma década e meia significa nada para a História. Ou seja, daqueles tempos, ainda faz parte da rotina do favelado o cotidiano de luta diária, falta de estrutura e planejamento urbano e dificuldade de acesso a serviços como saúde pública e saneamento básico. Mas houve mudanças importantes. O Laranjinha e o Acerola do passado não viram a pacificação, o crack, as milícias, a quase morte dos bailes funk de favela, os resultados da política de cotas que tornou possível que favelados que pudessem entrar nas universidades públicas e como bolsistas das universidades privadas. Porém, também não conheciam palavras como “empoderamento”, “tombamento”, “smartphone” e “Facebook”. Mais que só lutar para existir, vivemos um tempo durante a última década em que o favelado, enfim, ganhou o direito de pensar por si próprio. Vamos acompanhar se até sexta-feira, quando vai ao ar o último capítulo, a minissérie vai chegar a tratar disso, que é a vanguarda da periferia contemporânea.
O presente de crise econômica, retração de investimentos e retrocessos sociais prenunciam dias difíceis para quem mora na favela. Repressão, falta de oportunidades, condições precárias de moradia, educação de pior qualidade, hospitais super lotados? Nada de novo no front, infelizmente. Mas o que é ruim soa cada vez pior até mesmo para os menos pessimistas. Por outro lado, experiências inéditas como as políticas afirmativas na redução da pobreza e das desigualdades, a ampliação do acesso a educação e tecnologia e até mesmo as UPPs (e todas as suas ressalvas, é sempre bom lembrar, claro) mudaram a cara das comunidades e também o caminho de muita gente. Agora, é torcer para que os danos não sejam tão extensos e que mais pessoas ainda possam ser beneficiadas, mesmo diante de governos de homens brancos, velhos, ricos e caretas.
O futuro a Deus pertence. Em mais 12 anos, onde estarão os filhos dos tantos Acerolas e Laranjinhas das nossas favelas? Ninguém pode prever. Mas uma coisa é certa. Continuaremos a exercitar aquilo que sabemos fazer de melhor: sobreviver.