O Circo Picolino, realiza neste sábado, 16, e domingo 17, no Bairro de Pituaçu, apresentações circenses, com uma diversidade de técnicas, incluindo aéreos, acrobacias, equilibrismo e outras expressões artísticas. As apresentações começam às 17h, a entrada é gratuita e pague quanto puder. O espetáculo é resultado de residência artística com 10 artistas baianos e nacionais.
Vida, Morte e Renascimento. 38 anos de produção e formação circense. Dos ventos em brisa-mar, muitos foram os artistas que deste porto desbravaram potências artísticas e aportaram em outras picadeiros pelo mundo. O Circo e Escola Picolino, que hoje encontra-se ilha em meio à um canteiro de obras em Pituaçu, permanece sendo um celeiro para as artes circenses, muitos cresceram nele e alguns que se aproximaram nos últimos anos.
O espetáculo, resultado de uma residência artística contemplada pelo edital Diálogos Artísticos –Bicentenário da Independência na Bahia e tem apoio financeiro da Fundação Cultural do Estado da Bahia, unidade vinculada à Secretaria de Cultura (Funceb/SecultBa), conta com um elenco de linguagens artísticas diversas – Alice Cunha, Any Gonçalves, Ed Carlos, Felipe Cerqueira, Lara Boker, Luana Tamaoki Serrat, Marcelo Galvão, Nina Porto, Pedro Silva e Yerko Haupt.
A obra tem como mote os atuais processos do circo e as desafiantes convivências, existências e resistências diante das obras de requalificação da Orla de Pituaçu, que podem vir a deslocar o picadeiro para outro espaço. O Picolino está aterrado há mais de 20 anos no mesmo local. A fonte de inspiração é a palavra “mudança” e toda a sua complexidade social.
“O Picolino está prestes a mudar de local, uma transformação que ecoa como uma jornada de vida, morte e renascimento. É uma despedida emocionada de um circo que deixou sua marca ao longo de 38 anos, uma celebração aos ancestrais mais próximos, como Anselmo Serrat e Clóvis Gonçalves. Cada artista residente traz consigo a mudança pessoal como bagagem para a cena”, pontua a artista circense Nina Porto, também publicitária.
O espetáculo é o resultado do encontro de 10 artistas de várias gerações e formações circenses diversas, sendo notável que 90% deles foram formados ou passaram pela Picolino. A dança e a música irão desempenhar papéis fundamentais, enquanto o público testemunhará uma diversidade de técnicas circenses, incluindo aéreos, acrobacias, equilibrismo e outras expressões artísticas.
O espetáculo é uma obra coletiva que tem como provocação dramatúrgica a certeza que o Circo, através do Picolino, continua a cumprir sua missão. “Com este projeto queremos defender a ideia de que sejam implementadas políticas públicas mais efetivas para apoiar os circos na Bahia”, realça o coletivo, ao recordar que, em 2007, o Picolino recebeu da Presidência da República a Ordem do Mérito Cultural em reconhecimento ao conjunto do seu trabalho.
*Residência*
De acordo com Marcelo Galvão, um dos idealizadores do projeto ao lado de Luana Tamaoki Serrat, Nina Porto, Felipe Cerqueira, o principal objetivo da residência é o de oportunizar um espaço de criação e troca artística com a diversidade de artistas de circo, dança, teatro e outras artes, para aprimorarem suas habilidades técnicas e expandirem a criatividade.
Em meio às práticas e experimentações cotidianas, Luana, Nina, Felipe e Marcelo – que vêm acompanhado todo o processo de reforma do canteiro central da orla de Pituaçu -, começaram no início de 2023 a se reunirem com o propósito de refletir sobre as necessidades emergentes de corpos pós-pandêmicos e a ocupação artística no Picolino.
“O projeto nasceu da urgência compartilhada pelos artistas em relação à lona, à cidade e à necessidade de facilitar o encontro entre artistas para a coletiva reflexão e produção circense”, destaca Galvão, ao acrescentar que o projeto é uma das possibilidades de permanência das ações educacionais e artísticas do Circo Picolino, que pode vir a ser deslocado para outra área devido a obra.
O Picolino é esse grande imaginário incomum quando se pensa Circo em Salvador, na sua maior potencialidade. Sempre encantado pelas artes circenses, Marcelo Galvão comenta que o “circo sempre esteve muito presente em minha vida, sempre fui um espectador amante das lonas. O Picolino surge adentrando meu eu-corpo a cinco anos, quando comecei a fazer aulas de Circo com Felipe, Luana e Binho e é massa hoje poder dividir a cena, eu que venho da dança e venho namorando o circo num caso de amor interessante”, declara o bailarino e coreógrafo.
Já o artista circense há 5 anos, Felipe Cerqueira enfatiza que a residência e, consequentemente o espetáculo, evidenciam a representatividade histórica da escola Picolino, “lona em que tive a honra de ser aluno há 15 anos”, assim como colegas como Ed Carlos, que cresceu e se profissionalizou aqui, viajou pelo Brasil. “Retornar pra casa, pra minha cidade e propor este projeto é uma honra”.
Felipe pontua que todo o projeto é uma forma de gerar mais oportunidades para os nossos e de tornar acessível as as artes circense. “Por isso, convidamos todos a fazer parte desse movimento de renovação do Picolino e de levantar a bandeira do direito de termos um espaço puramente dedicado às artes circenses para nossa cidade, espaço esse que é nosso. Que é sagrado. Alê rei!”, enfatiza Cerqueira.
Nesse contexto, a importância do projeto da Escola Picolino se torna evidente. Ao longo de seus 38 anos de fomento, a Escola Picolino desempenhou um papel vital na Bahia, oferecendo uma formação de excelência nas artes circenses. Não apenas isso, mas também exportou talentosos artistas para renomadas companhias em todo o mundo, incluindo o Cirque du Soleil.
A Bahia é um verdadeiro berço das artes. No entanto, é lamentável que, até o momento, o circo brasileiro – principalmente, o baiano – ainda não tenha encontrado espaços para formação técnica e universitária a nível federal, estadual ou municipal. E, nas últimas quase três décadas, graças ao empenho de Anselmo Serrat e Clóvis dos Santos (ambos já falecidos), e tantos outros, o Picolino preencheu uma lacuna crítica no panorama educacional e artístico em Salvador, garantindo que as artes circenses, com toda a sua riqueza e diversidade, tenham um espaço para crescer e prosperar.
Prosperar, é desenvolver-se em comunidade. Foi desta forma que Ed Carlos – conhecido como Binho – chega ao Picolino, aos oito anos. Cresceu, profissionalizou-se e é um dos artistas convidados do projeto. “Há 33 anos quando chego a Escola Picolino, estava saindo de uma situação de rua. Espaço que tem uma representatividade enorme na minha vida, que me permitiu comprar uma casa aos 18 anos, me ensinou o que é ser pai. Principalmente, Anselmo, que me abraçou e foi um pai para mim”.
Binho exclama que, após esses 33 anos, a Picolino infelizmente ainda não recebe da população o reconhecimento necessário diante da sua intervenção política, educacional e artística. “Hoje, temos poucas pessoas que conhecem a nossa história Mas, sinto-me esperançoso ao perceber a vontade deste coletivo de movimentar o espaço e de resgate”, reforça o artista, que aproveita para parabenizar Any Gonçalves, “que nos últimos anos tem se dedicado a cuidar e manter o espaço físico erguido”.
*Herança*
Se o Picolino é hoje a ancestralidade circense para muitos artistas. Este picadeiro nasce dentro de outro circo, o Troca de Segredos. O casal Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki recém chegados em Salvador, com o grupo Tapete Mágico, em 1985, criam a Escola Picolino. Com eles, a filha Luana Tamaoki Serrat – que em comunhão com um grande coletivo de artistas administram o espaço, entre elas Nina Porto e Any Gonçalves, ambas filhas de artistas também circenses e que fazem parte da história de resistência que é o Picolino, uma herança e patrimônio material e imaterial do circo na Bahia.
“O Circo Picolino é como um irmão mais velho. Cresci brincando neste quintal. Foi onde aprendi a fazer circo. A artista que estou hoje veio deste lugar, onde os experimentos eram possíveis. Foi e sempre será minha principal escola de vida. Quando meu pai faleceu em 2020, demos continuidade ao sonho dele, que também e nosso, de manter a história do Picolino. Com a pandemia, passamos por muitas situações, Cambaleamos, mas a brisa do mar trouxe uma nova galera cheia de planos e projetos. Continuar a pisar neste picadeiro como artista, ter um ombro pra subir, ter alguém pra te arremessar para cima, é um momento muito feliz”.