A doação de cerca de três milhões de comprimidos de hidroxicloroquina feita pelo governo Donald Trump e o laboratório Novartis para “ajudar” o Brasil a combater o novo coronavírus se transformou em dor de cabeça para o governo federal, que ainda não sabe o que fazer com 1,2 milhão de comprimidos de cloroquina feitos no laboratório do Exército por encomenda do presidente da república.
O mínimo que se diz no Ministério da Saúde é que o estoque doado é “presente de grego”, alusão ao cavalo de Troia da história. Nem tanto pela quantidade absurda, mas principalmente por um detalhe que sairá caro para quem recebeu o presente: as drogas vieram em frascos com 100 comprimidos e será preciso separar a dose indicada para os pacientes e, além disso, embalar o produto em caixa específica, sem contato com o meio externo e supervisionado por farmacêuticos.
O Ministério da Saúde propôs que governadores assumam a despesa em reunião na última sexta-feira, 17, mas a ideia não agradou aos secretários estaduais. Em particular e sob anonimato, eles lembram que a Saúde sequer deu destino para cerca de 1,2 milhão de comprimidos estocados no laboratório do Exército.
Também incomoda os secretários estaduais a insistência do Ministério da Saúde no tratamento com a hidroxicloroquina. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) reforçou que a droga é ineficaz na pandemia: “A hidroxicloroquina deve ser abandonada em qualquer fase do tratamento da covid-19”, afirmou em resposta à pressão militar para a Fundação Oswaldo Cruz defender a cloroquina.
Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) sustenta que “não há racionalidade em defender o uso desses produtos dentro de uma política pública de medicamentos, muito menos para uso de forma precoce”.
A Anvisa deve aprovar nesta terça-feira, 21, em reunião da diretoria colegiada, uma orientação sobre o fracionamento e a distribuição da droga. Os 3 milhões de comprimidos foram fabricados pela Novartis, sendo que 2 milhões foram doados pelo governo de Donald Trump, em 31 de maio, e 1 milhão pela própria farmacêutica. O medicamento elaborado por essa empresa não tem registro no Brasil. A Novartis disse que “não endossa” o uso de nenhum dos seus produtos fora das especificações. E reforça que “qualquer início e interrupção de uso de medicamentos deve ser avaliado em conjunto com um profissional de saúde”.
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