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O processo de denominação é essencial para identificarmos tudo aquilo que existe no mundo. Seria quase que impossível o desenvolvimento da linguagem sem que antes tivéssemos estabelecido um meio de rotular algo existente. Por trás de um nome há muito mais que um simples rótulo. Há nomes que surgem de um fato engraçado ou histórico e há aqueles que nascem do preconceito e menosprezo a uma determinada classe social.

Toda favela tem seu nome registrado em cartório, legalmente assumido pela Associação de Moradores local,  mas que quase ninguém conhece. O que “pega” mesmo é o apelido que está na boca do povo. Assim, surgem nomes hilário. Tem desde Pau-da-fome, Morro dos Macacos, Fumacê, Gogó da Ema, Risca Faca, Deus Proverá, Pica-pau, Rato Molhado até Morro do Juca (apelidado carinhosamente de Morro do Cagão).

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O Morro do Juca, ou Morro do Cagão, é, dentre todos, o mais engraçado, para não dizer constrangedor. O apelido surgiu, segundo a tradição local, no início da formação desta comunidade de Cascadura, cujos primeiros moradores, por falta de saneamento básico, eram obrigados a descartar suas fezes na Rua Padre Telêmaco. Com raiva ou por menosprezo daquela população, os moradores adjacentes apelidaram essa comunidade de Morro do Cagão. Esse nome não é oficial, sequer tem destaque no Google maps, mas, sem dúvida, revela duas problemáticas: a primeira é o olhar preconceituoso dos moradores do asfalto e a segunda é a denúncia do descaso dos governantes – isto é, a falta de serviços básicos públicos para a população mais pobre. A saber, saneamento básico é um dos direitos fundamentais de um cidadão nos três níveis do governo (Federal, Municipal e Estadual), além de ser considerado um Direito Humano de acordo com a “Organização das Nações Unidas” (ONU).

A Cedae é a instituição responsável por este serviço. Criada desde 1975, a Cedae do RJ não dá conta nem de 40% da população do Estado. O serviço precário para a população pobre não é novidade para ninguém. No entanto, o que se discute hoje é se a Cedae deve ou não ser privatizada. Sabemos que a maior preocupação gira em torno do custo desse serviço e se ele vai pesar para a população mais pobre. O impasse está formado: e se este serviço for privatizado? Como ficarão suas atividades, que até hoje não dão conta da demanda da cidade?

Enfim, o círculo vicioso do preconceito e do descaso continuam. Pouca coisa mudou em termos de serviços públicos dentro de uma favela. Há comunidades e comunidades, sim. Há locais que evoluíram e outros nem tanto. A favela é ímpar, mas os serviços públicos deveriam atender a todos.  Doravante, se, aparentemente, não há luz no fim do túnel – mudemos nós, favelados, e mudai, voz do asfalto, com um olhar mais humano. E, ao apelidar uma favela, busque, quem sabe, um codinome Beija-flor.