O estudo “Operações policiais e ocorrências criminais: por um debate público qualificado”, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI) da Universidade Federal Fluminense, divulgado nesta segunda-feira, 3, aponta que a proibição de operações policiais em favelas durante a pandemia reduziu em 70% no número de mortes por essas incursões, além de reduções significativas nos registros de crimes contra a vida (48%) e contra o patrimônio (40%).
Com o fim do recesso do Judiciário, hoje, 3, a liminar favorável de Fachin deverá ser analisada pelo STF. Os ministros têm até amanhã para publicar seus votos sobre o “caso das favelas”, como é referido informalmente. Até aqui, já votaram Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber, a favor da proibição das operações nas favelas durante a pandemia, e Alexandre de Moraes, o único contrário. O julgamento é virtual.
Enquanto as polícias são contrárias à medida, a Defensoria Pública do Rio a defende. A Defensoria participa da divulgação do estudo da UFF, que conta ainda com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) e com o auxílio da plataforma Fogo Cruzado, responsável por traçar um mapa de tiroteios na região metropolitana do Rio.
As polícias fluminenses alegam que a proibição do STF dificulta o combate ao crime organizado. Procurada para comentar o estudo, a PM do Rio disse que não comenta dados não oficiais. Informada de que a pesquisa usa dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), vinculado ao estado, argumentou que o estudo também considera números da plataforma Fogo Cruzado e, por isso, ignorou as informações do ISP.
Para estimar os efeitos da proibição, o estudo comparou os números do período de um mês com a média das mesmas datas desde 2007. Segundo o relatório produzido pelos pesquisadores, 30 vidas foram salvas nas favelas desde a decisão de Fachin, entre elas as de policiais vítimas em confrontos nas favelas fluminenses.
A decisão de Fachin foi tomada em 5 de junho, motivada por uma ação apresentada pelo PSB e construída em parceria com a Defensoria fluminense. Deu-se 18 dias depois do menino João Pedro, de 14 anos, ter sido morto dentro de casa durante uma operação policial em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. “Eu estava protegendo o João Pedro de um vírus e ele foi vítima de um vírus muito pior: o vírus de um estado que mata”, disse a mãe do garoto, Rafaela Coutinho, ao comentar os dados da pesquisa. “Sou a favor (da ação no STF), para que outras vidas sejam poupadas.”
De lá até o mesmo dia do mês seguinte, houve redução de 78% nas operações policiais nas favelas. Apesar disso, a Polícia Militar continuou incursões consideradas urgentes, conforme prevê o entendimento de Fachin.
Uma região que tem passado por confrontos é a da Praça Seca, na zona oeste da capital, que vive um cenário de disputa entre traficantes de drogas e grupos de milicianos. Em 28 de julho, manhã seguinte a um intenso tiroteio, a PM realizou uma operação no bairro. A noite anterior tinha sido marcada por mais de três horas de tiros: a maior facção do tráfico do Rio estaria tentando retomar uma favela da região, hoje dominada pela milícia.
Naquele bairro, há inclusive depoimentos que apontam para a participação de policiais militares em ações de milicianos, como forma de ajudar os grupos paramilitares na disputa com os traficantes. Isso porque, como mostrou reportagem do portal Uol, apenas 3% dos tiroteios no Rio se dão em áreas dominadas por milicianos. Ou seja, a polícia evitaria confrontar esses grupos, o que transmite falsa sensação de segurança.
O estudo do grupo de pesquisadores da UFF aponta ainda para a diminuição nos registros de tiroteios no entorno de unidades de saúde. Esses números caíram 61% desde a decisão de Fachin e, se considerados só as trocas de tiros em que havia policiais, a queda é ainda maior: 82%.
“O cruzamento dos dados de ocorrências criminais e operações policiais realizados indica que as operações policiais não são eficientes em reduzir a ocorrência de crimes e, pelo contrário, parecem contribuir para o seu incremento”, aponta Daniel Hirata, pesquisador do GENI.
Nas considerações finais do estudo, os pesquisadores explicam que seriam necessários outros levantamentos mais amplos para entender a dinâmica do crime no Rio e traçar novas correlações. No entanto, dizem, “considerando que as operações policiais ocupam o cerne das políticas de segurança pública no Rio há mais de trinta anos e que o aumento das graves violações dos direitos humanos não foram acompanhados pela oferta de segurança aos habitantes da Região Metropolitana, não surpreende que os dados da nossa pesquisa apontem para a ineficiência das operações policiais.”