A expressão “não foi por falta de aviso”, tão em voga no Brasil desde janeiro de 2019, cabe como uma luva à situação denunciada pelo jornal O Estado de S. Paulo na manchete principal desta quinta-feira, 23: “Pazuello foi alertado de que, sem isolamento, crise duraria 2 anos”. O que a reportagem diz com todas as letras é o que a população brasileira, em menor ou maior grau, percebe desde a demissão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e, menos de um mês depois, de seu sucessor Nelson Teich.
A interinidade do general Eduardo Pazuello, que fez do ministério seu quartel-general contra o isolamento social e a favor da cloroquina, da hidroxicloroquina e do que mais o presidente da república propuser ou defender. Ainda no fim de maio, técnicos do comitê sobre o novo coronavírus alertaram o general, em reunião reservada no ministério, que sem medidas de isolamento social os impactos seriam sentidos por até dois anos. Segundo a equipe de Pazuello, “todas as pesquisas” levam a crer que o distanciamento é “favorável” até mesmo para o retorno da economia mais rápido.
“Sem intervenção, esgotamos UTIs, os picos vão aumentar descontroladamente, levando insegurança à população que vai se recolher mesmo com tudo funcionando, o que geraria um desgaste maior ou igual ao isolamento na economia”, afirmam técnicos da pasta na ata de reunião do Comitê de Operações de Emergência (COE) do ministério obtida pelo jornal. “Sem isolamento, um tempo muito grande de 1 a 2 anos para controlarmos a situação”, informa a ata de reunião ocorrida em 25 de maio no 3.º andar do Ministério da Saúde.
No mesmo documento, o comitê discute a criação de um aplicativo para monitorar pacientes da Covid-19 e até dez pessoas que tiveram contato com a pessoa infectada, o que nunca saiu do papel. Como encaminhamento da reunião, outra ideia Eque não prosperou: criar protocolo que “atenda nossas necessidades específicas”. Em resumo, o COE tem função consultiva, mas quem decide mesmo são os cerca de 30 oficiais das Forças Armadas nomeadas por Pazuello, e para eles a hierarquia da caserna está acima de tudo e de todos.
Há dias, os coronéis da Saúde investiram sobre a Fiocruz praticamente exigindo alinhamento científico ao emprego da cloroquina, mas tudo que conseguiram foi uma nota da Sociedade Brasileira de Infectologia desacreditando o remédio em tom imperativo. Mais recente ainda é a notícia do descontentamento dos Secretários de Saúde dos estados, sondados pelo Ministério a assumir as despesas do fracionamento das milhões de doses de cloroquina doadas pelo governo dos Estados Unidos que só poderão ser distribuídas em dosagens e em quantidades adequadas.