A representatividade na publicidade é um tema cada vez mais discutido, especialmente quando se trata de combater o racismo e promover a inclusão. Historicamente, a presença de pessoas negras nas campanhas publicitárias foi limitada e, muitas vezes, marcada por estereótipos. A boa notícia é que avanços têm sido feitos, mas ainda há um longo caminho a percorrer. A seguir, exploraremos como marcas, agências e profissionais podem ser aliados na luta antirracista, promovendo mudanças significativas na indústria da comunicação.

Histórico de exclusão e estereótipos

A publicidade, por décadas, ignorou ou marginalizou a população negra, especialmente em peças televisivas e outras mídias tradicionais. Estudos recentes revelaram números preocupantes. Uma pesquisa realizada pela agência Heads Propaganda, em parceria com a ONU Mulheres, analisou comerciais de canais de TV aberta e pagos, destacando que 84% dos protagonistas das campanhas eram homens brancos. Mulheres negras, por sua vez, apareceram em apenas 22% das peças, enquanto homens negros protagonizaram apenas 7%.

Apesar desse cenário, dados mais recentes mostram um progresso significativo. Em 2022, 53% das campanhas das 20 maiores marcas no Brasil apresentaram representatividade racial, segundo levantamento do Meio & Mensagem. Esse número, embora encorajador, reflete apenas parte do esforço necessário para alcançar uma verdadeira igualdade na representação publicitária.

Desafios da representatividade nas mídias

É importante ressaltar que os avanços variam conforme a mídia analisada. Enquanto a pesquisa de 2020 focava na televisão, os números mais recentes abordaram redes sociais, onde há maior diversidade. Ainda assim, as representações frequentemente carregam estereótipos e não refletem a complexidade da vivência negra.

Segundo Francisco Leite, pesquisador da USP, pessoas negras na publicidade costumam ser retratadas de maneira subalterna ou sem voz ativa. Esse problema se agrava ainda mais quando analisamos a interseção entre gênero e raça, com mulheres negras frequentemente associadas ao papel de cuidadoras ou hipersexualizadas.

O papel da publicidade antirracista

Com o fortalecimento dos movimentos sociais, especialmente a partir da segunda década dos anos 2000, a publicidade começou a responder às demandas por maior inclusão. Um marco importante foi o impacto global do caso George Floyd, que impulsionou discussões sobre racismo estrutural em várias áreas, incluindo a comunicação.

A publicidade antirracista vai além da inclusão de rostos negros em campanhas. Trata-se de criar narrativas autênticas que respeitem a história e as vivências dessa população. Além disso, envolve mudanças estruturais dentro das agências e empresas, garantindo que pessoas negras ocupem posições de liderança e tenham poder de decisão.

Estratégias para incluir pessoas negras no mercado publicitário

Um dos maiores desafios é garantir que as equipes por trás das campanhas sejam tão diversas quanto as narrativas que elas criam. Nesse sentido, a inclusão não deve se limitar aos cargos de entrada. A criação de políticas afirmativas, como vagas específicas para pessoas negras em diferentes níveis hierárquicos, é uma solução necessária.

Débora Fernanda, líder de diversidade e inclusão na Gut São Paulo, sugere a prática do “teste do pescoço”: observar quem compõe as equipes em reuniões e projetos. Esse simples exercício pode revelar a falta de diversidade em muitos ambientes corporativos e estimular ações concretas para resolver o problema.

Para que essas iniciativas sejam bem-sucedidas, é essencial contar com apoio da alta liderança e alocar recursos financeiros para programas de inclusão. Além disso, é importante investir na capacitação e no desenvolvimento profissional de pessoas negras, garantindo oportunidades de crescimento dentro das empresas.

Casos de sucesso: quando a diversidade se torna estratégia

Algumas empresas têm se destacado ao tratar a diversidade como parte integral de sua estratégia de negócio. A Natura, por exemplo, lançou em 2022 o Compromisso Antirracista, que inclui metas claras para promover a inclusão racial entre colaboradores e consultoras. Esse tipo de abordagem não apenas reforça a responsabilidade social da marca, mas também fortalece sua conexão com o público.

Outros exemplos incluem a Unilever, que implementou o coletivo Afrolever para atrair e desenvolver talentos negros, e a Amazon, que promove workshops e redes de apoio para funcionários negros por meio do grupo Black Employee Network (BEN). Essas iniciativas mostram que é possível alinhar objetivos de negócios com ações de impacto social.

O papel dos comitês de diversidade

Dentro das agências, os comitês de diversidade desempenham um papel crucial na promoção de campanhas antirracistas. Esses grupos criam um ambiente colaborativo, onde diferentes perspectivas são valorizadas. Além disso, ajudam a evitar que ideias preconceituosas ou estereotipadas cheguem ao público.

Esses comitês também atuam como catalisadores de mudanças culturais dentro das empresas, garantindo que o ambiente seja psicologicamente seguro para colaboradores de diferentes origens. Essa abordagem fomenta a criatividade e resulta em campanhas mais autênticas e inclusivas.

Transformando narrativas na publicidade

Novas campanhas publicitárias têm mostrado que é possível mudar as narrativas e valorizar a diversidade. Um exemplo marcante é a parceria entre a Unilever e a Disney, que resultou no lançamento do filme live action da Princesa Tiana. No Brasil, a campanha “Juntinhos”, criada pela agência Soko para a Seda, destacou Tuany Nascimento, fundadora do projeto Na Ponta dos Pés, como protagonista. A peça foi premiada em Cannes, reforçando a importância de histórias que celebrem a identidade negra de forma positiva.

Outro caso de destaque é a campanha “Sorriso Negro”, da Amazon, que homenageou a medalhista olímpica Bia Souza. Essa iniciativa não apenas exaltou a força da comunidade negra, mas também trouxe visibilidade para mulheres negras como símbolos de resistência e empoderamento.

Rumo à equidade

A publicidade tem o poder de moldar percepções e influenciar comportamentos. Por isso, é fundamental que as marcas assumam a responsabilidade de combater o racismo e promover a inclusão. Embora os avanços sejam notáveis, ainda há muito trabalho a ser feito para garantir uma representação justa e autêntica de todas as pessoas.

Para alcançar esse objetivo, é necessário combinar ações estruturais dentro das empresas com a criação de narrativas que reflitam a diversidade do mundo real. Dessa forma, a publicidade pode não apenas entreter, mas também educar e inspirar mudanças positivas na sociedade. Hasta !!