Pessoas que não se identificam com o gênero de nascença relatam suas experiências dentro da comunidade onde vivem
O Dia Nacional da Visibilidade Trans é comemorado em 29 de janeiro, quando foi lançada, em 2004, a campanha “Travesti e Respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos”. Desde então, a data é um importante marco na luta por visibilidade da população transgênera marginalizada, que encontra dificuldades desde a educação e inserção no mercado de trabalho até o campo afetivo de relacionamentos amorosos ou familiares.
A visibilidade para a letra T da comunidade LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexo e outros) gera conhecimento sobre as identidades trans, quebrando estereótipos e preconceitos e, consequentemente, mais respeito e acesso a direitos.
No Brasil, há poucos dados sobre a população trans, reforçando ainda mais a invisibilidade de pessoas como Nlaisa Luciano, de 24 anos, cria da favela Vila do Pinheiro, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro. Graduanda em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e educadora popular, ela se identifica como não-binária e travesti, e usa pronomes femininos. A comunidade trans a chama de travesti, mas na favela, apenas de mulher. “Acham que o termo é uma ofensa”.
Apesar de ser respeitada pela mãe, ter namorado e amigos, ela conta que ainda sofre uma violência estrutural por ser da favela. “Superei algumas barreiras. Tive, por exemplo, acesso à universidade, mas ainda não tenho privilégios iguais ao de um homem cis, branco, hétero e rico”.
Dentro da comunidade onde vive é diferente. Por sua transição, estética e hormonal, ter sido feita onde nasceu e cresceu, Nlaisa diz que não sofre tanto porque os moradores estão acompanhando suas mudanças.
“Posso andar na rua hoje e não sofrer violência porque eu permiti às pessoas a convivência. Nem todas as pessoas trans têm coragem e mente preparada para enfrentar essas coisas porque vão ouvir muitos questionamentos e dúvidas de pessoas leigas, principalmente quando você é uma das primeiras na região”.
Ela acha que para quem sai do lugar de origem e volta após a transição pode ser mais difícil. “A pessoa enfrenta outras questões, como: ‘Mas tu não era fulano?’ Onde eu moro, as pessoas veem que eu não sou mais fulano.”
O poeta Tom Grito, de 41 anos, mudou-se do Rio Grande do Sul para o Rio, onde descobriu-se uma pessoa trans. Morador há quatro anos, do Morro do Pinto, em Santo Cristo, se considera uma pessoa não-binária, que se identifica como gênero “queer”, e usa pronomes neutros e masculinos.
Iniciou a transição hormonal em 2020. Sofreu a primeira transfobia ao sair de cabelos raspados e máscara de proteção. “Uma pessoa na rua perguntou: ‘É potranca ou potranco?’. A pessoa, na dúvida, não conseguia entender se era menina ou menino. Estava me assediando de qualquer forma”.
Tom diz que não sabe se as pessoas da favela, em geral, entendem que ele é trans, mas suas experiências com pessoas próximas são acolhedoras. A vizinhança o chama pelo seu nome e respeita sua companheira e filhos. “Eu aplico a testosterona com uma senhora que é moradora daqui e enfermeira. Uma vez ela falou, quando estava sendo chamada pelo marido: ‘Peraí que eu tô aplicando a injeção aqui no menino e já vou’. Achei fofo.”
A violência está em todos os lugares, porém, quando se tem uma boa convivência com a comunidade ao seu redor e apoio de pessoas próximas e da família, enfrentar essas dificuldades é menos solitário.
Matéria originalmente publicada no jornal A Voz da Favela de janeiro/2021.
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