Por Eduardo Sá, 01.08.2009

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São diversos os casos de iniciativas de remoção das populações
empobrecidas nesta região do Rio de Janeiro, em contraste aos
condomínios grã-finos no entorno, sobretudo no Itanhangá e Barra da
Tijuca: escola, clube, minimercados, academias… tudo dentro, com
direito a muita câmera, seguranças e grades, construídos sem
questionamentos ambientais. As vítimas da vez, como as do Canal do
Anil e do Cortado, dentre outras nos arredores, são os moradores de
baixa renda no Alto da Boa Vista, processados por ocuparem áreas
ambientalmente irregulares.

No local, existem cerca de 14 comunidades, perto de 600 famílias.
Surpresos com a presença de diversos agentes (defesa civil, polícia,
bombeiro, prefeitura, etc.), que foram à região sem prévio aviso,
resistiram. Não houve remoção, os moradores se organizaram e
fizeram um protesto em frente ao Ministério Público (MP), no centro
do Rio de Janeiro, no ano de 2006.

O protesto foi realizado em função de uma ação proposta contra as
comunidades pela 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Meio
Ambiente e, segundo representantes da região, a promotora à frente
do processo não quis recebê-los. Rosani Cunha Gomes, responsável
pela ação civil pública, formalizada em 2006, não atendeu o
Fazendo Media. Ela acionou a Prefeitura com base nos dados levantados
pelo Instituto Pereira Passos que, por sua vez, declarou através de
sua assessoria não ser o órgão competente a prestar esclarecimentos.

O protesto dos moradores no MP fez com que o Procurador Geral de
Justiça – RJ, Cláudio Lopes, acionasse o sub-procurador da
Justiça de Direitos Humanos. Leonardo Chaves, o responsável pelo
caso, recebeu o Fazendo Media e afirmou ter ido ao local com técnicos
assistentes. Com base nas suas visitas, ele desenvolveu um
procedimento interno no MP, cujo diagnóstico está apresentado em
relatório. Para ele, “as comunidades do Alto da Boa Vista estão
em áreas situadas em lugares valorizados sob o aspecto imobiliário,
no entanto os moradores são centenários e quem visita o local pode
observar que eles são os responsáveis pela preservação, que têm
essa ligação com a floresta, são eles que impedem a favelização”.

No ano de 2007, a promotora entrou com um Termo de Ajuste de Conduta
(TAC). O advogado Miguel Baldez, procurador do Estado aposentado,
junto a outras entidades, fez um pedido à juíza para que ela os
recebesse como assistente. Sua intenção era viabilizar uma
representação jurídica na defesa das comunidades, mas o pedido foi
negado.

No entanto, simultaneamente à tramitação do processo, a
intervenção do sub-procurador Leonardo Chaves surtiu efeito e as
comunidades acionaram a Defensoria Pública. Técnicos foram ao local
e os moradores que comprovaram sua ocupação por mais de 5 anos na
região receberam o usucapião, título de posse continuada de tempo,
previsto no Estatuto da Cidade e registrado no cartório de notas. A
verba para a assistência técnica e o procedimento jurídico foram
levantados pelos moradores, com o apoio de outras organizações. O
documento viabiliza que o morador entre na Justiça pelo direito à
propriedade, de modo a legitimar a sua posse.

No momento, os moradores têm seu “contra-laudo” e reivindicam a
participação no TAC, pois segundo seus representantes a comunidade
não tem voz no processo. Roberto Maggessi, diretor do Conselho e
Cidadania do Alto da Boa Vista (Conca), aponta como uma das soluções
o aumento do Parque Nacional da Tijuca, que é tombado, de maneira a
impedir qualquer crescimento na região.

A Secretaria Municipal de Habitação (SMH), através de sua
assessoria, declarou que “com base em critérios de risco ambiental
estabelecidos pela Geo-Rio e pela Secretaria Municipal de Meio
Ambiente, está realizando um trabalho de campo para identificar as
famílias que realmente moram em áreas inadequadas do ponto de vista
ambiental. A
secretaria faz esse diagnóstico mantendo um diálogo permanente com
os representantes dos moradores das comunidades. Nesta terça-feira
(21/07), houve, por exemplo, uma reunião do secretário Jorge Bittar
com líderes comunitários da região no gabinete da SMH. Uma vez
identificadas as famílias que moram em áreas de risco ambiental,
elas serão reassentadas em locais próximos das comunidades. Este
plano será apresentado ao Ministério Público e à
Justiça.”

Kacio Alves, integrante do Conselho e Cidadania do Alto da Boa Vista
(Conca), confirmou a presença de técnicos da secretaria no bairro
após a reunião. Mas destacou que, apesar de a Secretaria afirmar que
vai respeitar as reivindicações da região, ainda falta a
participação da comunidade. Segundo ele, “não está havendo um
trabalho em conjunto, ainda falta diálogo”.

O HISTÓRICO DA REGIÃO

Kacio Alves, tataraneto de Francisco Martins Leão, agricultor da
região há mais de cem anos, recebeu o Fazendo Media e nos levou a
algumas das comunidades ameaçadas de remoção. Kacio é integrante
do Conca e membro do Conselho Consultivo do Parque Nacional da
Tijuca, que lutam pelo direito à moradia das famílias na região;
muitas delas em territórios registrados em nome de seus ancestrais.

Ele nos contou a história do bairro, antes fazendas com grandes
plantações de café, flores e legumes, depois local onde foram
construídas fábricas de papel e de tecidos, dentre outras, e uma
pedreira que na época devastou parte da floresta. Os lavradores,
operários, trabalhadores em geral, originários, constituíram suas
famílias no local desde então, sem nenhum apoio governamental. O
bairro, até hoje, não possui sistema de esgoto. Toda a sujeira dos
condomínios e comunidades é despejada no Rio Cachoeiras, que
deságua na  lagoa da Barra da Tijuca.

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A comunidade do Vale Encantado, por exemplo, da rua principal, a
Estrada da Paz, não se vê de tão pequena. A rua que dava acesso aos
moradores foi tomada pela mata, onde hoje só se chega à pé. O
local, nos últimos anos, quase não cresceu, são praticamente todos
da mesma família, ali isolados. No entanto, acima da comunidade foram
construídos dois blocos residenciais, ao lado do Vale Encantado
Pousada Clube, registrado na foto acima.

Segundo Roberto Maggessi, diretor do Conca, as comunidades do Alto da
Boa Vista são as únicas na cidade que não têm tráfico nem
milícias, graças à mobilização dos moradores. Na comunidade da
Fazenda, na parte baixa do bairro, que se encontra do lado próximo ao
Itanhangá, há uma senzala ainda de pé. Os moradores querem tombá-
la como patrimônio cultural e incentivar o turismo na região. A
senzala, não é à toa, tem raízes, e o crescimento no seu entorno
é semelhante nas demais comunidades: Mata Machado, Tijuaçu,
Ricardinho, Tijuquinha, Açude, Biquinha, dentre outras afetadas pela
ação.

2ª CAMINHADA PELO DIREITO À MORADIA

No dia 18 de julho, na manhã de um sábado ensolarado, os líderes
comunitários e alguns moradores realizaram uma caminhada no Alto da
Boa Vista e Itanhangá para reivindicar o direito à moradia e
participação no Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

Cerca de 200 participantes saíram da Paróquia de Nossa Senhora de
Fátima, na comunidade Tijuaçu, em direção ao Itanhangá, em
protesto ao processo de remoção acionado. A manifestação foi
pacífica, nela estavam famílias, inclusive crianças, se expressando
no alto falante: “nós, moradores históricos do Alto, viemos para
dizer que o povo está unido e quer participar das decisões de sua
vida”.

Na caminhada muitas vezes foi observado que o único braço do Estado
que sobe a favela é a polícia. “O pobre não tem voz, não tem
espaço na televisão, na mídia, só sobrou a rua, querem fazer do
Alto da Boa Vista o paraíso dos condomínios”, falaram no alto-
falante.

Chegando ao Itanhangá a polícia militar apareceu para monitorar o
trânsito. Seis viaturas escoltaram os manifestantes até a Paróquia
São Bartolomeu, onde ocorreu o ato político de encerramento; tudo
tranquilamente.

O microfone ficou à disposição de todos, vários líderes se
manifestaram, inclusive o responsável pela associação de moradores
do bairro Recreio dos Bandeirantes: também estão com problemas em
relação à moradia popular.

Na última intervenção, a mídia chegou para registrar, as tv’s
Globo e Record. A primeira não ficou 10 minutos, a jornalista fez
algumas anotações e se retirou, sem falar com ninguém. Já a Record
fez entrevistas e foi, junto a um dos líderes, à comunidade do Vale
Encantado, colher algumas imagens. Lá construíram prédios anos
atrás e querem remover poucas famílias que se encontram no local.

O Hino Nacional foi cantado e o ato se encerrou com a oração do Pai
Nosso. Os líderes querem agora realizar um seminário com todas as
comunidades que estão passando por qualquer problema em relação à
habitação, a fim de unirem-se contra qualquer remoção.

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No final das contas, via-se a desinformação nas ruas. Os moradores
surpresos, com olhares curiosos. Poucos aderiram à manifestação, a
maioria estava trabalhando. Se as associações não estão
conseguindo fazer um trabalho completo de esclarecimento à
população local, a prefeitura tanto menos. Um deles, parado no ponto
de ônibus, falou: “que nem Jesus Cristo quando passou”, referindo-
se à manifestação, ao saber do que se tratava. Outra, olhou e
disse: “esse aí tá ganhando quanto pra ficar falando isso?”,
desconfiada. Tiveram uns que vieram até me perguntar: “que que tá
acontecendo aí?” Esse é o cenário: caso ocorram mesmo as
remoções, a maioria das pessoas até agora não sabem nem o porquê
dessa situação.