Ativistas se mobilizam contra construções na praia de Pipa, no Rio Grande do Norte

#TodosPeloChapadão saiu às ruas contra especulação imobiliária. FOTO: Gabriela Lyra.
Comunidade de Tibau do Sul (RN) se envolve nas mobilizações em defesa das falésias. FOTO: Gabriela Lyra

No último dia 15 de julho, um sábado propício aos banhos de mar, dezenas de moradores da região da praia de Pipa, no Rio Grande do Norte, se mobilizaram para protestar contra um empreendimento imobiliário próximo ao Chapadão de Pipa, em Tibau do Sul, um dos principais destinos turísticos do estado.

À época, tanto a Prefeitura de Tibau do Sul quanto o Instituto de Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema) afirmaram que a construção estava em conformidade com a lei e possui as licenças ambientais necessárias para a realização do canteiro de obras. Contudo, ambos os órgãos se comprometeram a realizar fiscalizações para garantir o cumprimento das regulamentações.

O empreendimento que vem gerando polêmicas crescentes projeta a construção de um condomínio residencial em uma área de 21.996,59 metros quadrados. São previstos 246 apartamentos, no coração do paraíso natural potiguar, uma oportunidade única para os que tiverem meios de aderir a um dos planos, de 1 ou 2 quartos, oferecidos pelo OKAN.

“Projetado para bons momentos. Um condomínio de alto padrão com serviço de hotelaria, conforto de resort e acolhimento de um lar”, diz a Allimulti, líder do empreendimento que viria a ser embargado nos meses seguintes.

A Allimulti é uma incorporadora especializada em venda de unidades habitacionais no regime de “multipropriedade“. Neste modelo, o cliente pode comprar uma cota do apartamento, pagando apenas por parte de seu valor e dispondo de períodos anuais para desfrutar de seu novo patrimônio. É uma tendência no mercado imobiliário local.

Movimentos comemoram embargo das obras

Quase três meses após o primeiro de uma série de protestos, no dia 4 de outubro passado, as obras do OKAN foram embargadas pelo Idema, que havia expedido licença de instalação do canteiro de obras em julho de 2022.

O embargo do empreendimento Okan, segundo o Idema, foi “por descumprimento de condicionantes do licenciamento ambiental”.

A decisão foi motivada em grande parte pelas denúncias do Coletivo Popular #todospelochapadão, um movimento social surgido da iniciativa de moradores e ambientalistas da região que se dizem preocupados com o “rápido e desordenado crescimento da especulação imobiliária em Pipa e seu entorno”.

Representação da área foco das disputas. IMAGEM: Idema.

Todos pelo Chapadão

Quando a empresa responsável pela obra começou a instalar tapumes na área, indicando o início das obras, os ativistas realizaram uma manifestação simbólica: um “abraço” ao Chapadão. Depois, se dirigiram à sede da empresa responsável pela construção, no centro do distrito. Foi a ação inaugural de que falamos na abertura desta reportagem.

Faiçal Isidoro, que além de ativista é advogado do movimento #TodosPeloChapadão, conta que ingressou nas ações “após observar o acelerado desenvolvimento e a expansão de empreendimentos na região, muitas vezes de maneira irresponsável e prejudicial ao meio ambiente e às comunidades locais”.

Ele diz que, junto com outros membros preocupados da comunidade, decidiram criar um movimento para ser voz ativa na proteção e conservação do Chapadão, local com rica biodiversidade e de grande importância ecológica e cultural. “Nosso objetivo é promover um desenvolvimento sustentável que esteja em harmonia com a preservação do meio ambiente e o bem-estar da população local”.

Faiçal Isidoro: “Rica biodiversidade e de grande importância ecológica e cultural”. FOTO: Acervo particular

Movimento tenta mobilizar distritos ao redor

O Coletivo Popular #todospelochapadão surgiu da preocupação entre os moradores de Tibau do Sul, esta pitoresca cidade no litoral do Rio Grande do Norte, com as perspectivas ambientais e sociais de sua terra.

À medida que a região enfrenta desafios crescentes, desde a proteção da biodiversidade local até a sustentabilidade da economia dependente do turismo, eles veem crescer suas responsabilidades, como afirma Gabriela Lyra, umas das fundadoras do coletivo.

“O coletivo rapidamente ganhou força e abraçou a missão de proteger o que faz de Tibau do Sul um lugar especial: sua natureza deslumbrante e sua rica herança cultural”, explica Gabriela. Para ampliar seu impacto, o coletivo expandiu seus esforços, tentando incluir representantes de todos os nove distritos municipais de Tibau do Sul.

O #todospelochapadão tem exigido ação imediata das autoridades locais, estaduais e nacionais para proteger a região. Além da fiscalização rigorosa das obras previstas, suas pautas incluem também a renovação do Plano Diretor Municipal, considerado pela ativista “uma ferramenta fundamental para regular o uso do solo e preservar a integridade ambiental de Tibau do Sul”.

“O coletivo também tem buscado apoio de várias entidades governamentais e não governamentais para colaborar na resolução das questões urgentes que a comunidade enfrenta”, diz Gabriela.

Polêmica crescente demonstra relevância da mobilização

Desde sua fundação, o coletivo tem se envolvido em uma variedade de atividades públicas para conscientizar a comunidade sobre a situação de sua região. Essas atividades incluem caminhadas pacíficas, encontros simbólicos e uma forte presença nas redes sociais, mantendo a comunidade informada e envolvida.

Apesar dos desafios, Gabriela avalia que o coletivo “tem recebido amplo apoio da comunidade, o que reflete a importância dessas questões para a população de Tibau do Sul”.

As ações do #todospelochapadão chamaram a atenção da sociedade potiguar, repercutindo na imprensa local. E a recepção de suas pautas e visões não se deu de forma uniforme por toda a comunidade política e jornalística.

Gabriela Lyra, ativista e moradora da comunidade de Tibau do Sul. FOTO: Arquivo pessoal

Um grupo de veículos alinhados ao espectro ideológico liberal os acusa de “promotores do atraso”. Gustavo Negreiros, principal expoente desse segmento, se referiu ao movimento como aquele “episódio lá do Chapadão em Pipa em que algumas pessoas se mobilizaram contra o investimento e veio todo aquele papo de ecochato (uma vertente dos petistas)”.

A ligação de grande parte dos ativistas com o Partido dos Trabalhadores tem sido o principal alvo das críticas que o movimento recebe. A polarização política brasileira tem esse efeito, essa adesão automática a grupos de ideias aparentemente indissociáveis, mas que necessariamente não são exclusivas de qualquer campo ideológico.

Debate ambiental também é poluído

Essa interdição do debate polui também a discussão pública sobre a complexa relação entre a necessidade de desenvolvimento econômico e a outra necessidade, a da preservação ambiental e cultural.

Para Faiçal, que é petista, a presença de militares partidários em movimentos é natural, uma vez que são pessoas já engajadas nas lutas sociais. Contudo, ressalta que o movimento tem foco na comunidade, em envolver cada vez mais atores sociais.

Artistas de Tibau do Sul também participam dos movimentos organizados. FOTO: Gabriela Lyra

“Buscaremos promover o diálogo entre comunidades, empreendedores e autoridades para encontrar soluções que beneficiem a todos e protejam o Chapadão. Cada passo que damos é um movimento em direção a um futuro onde o Chapadão é respeitado e preservado para as gerações futuras. Nosso compromisso é firme, e estamos dedicados a fazer o que for necessário para proteger este lugar precioso”, disse Faiçal à ANF.

Outros empreendimentos são questionados

Além do OKAN, novos empreendimentos estão em fases distintas de implementação em Tibau do Sul. Destaque para o Pipa Island, que também é alvo de questionamentos pelo coletivo.

A GAV Resorts é a empresa responsável por esse empreendimento, que assim define: “O Pipa Island está localizado no Chapadão, que é um mirante situado em uma enorme falésia de tom avermelhado, de onde é possível apreciar a vista da Praia do Amor, Lajinha e Praia das Minas. Um dos cartões postais da região. Viva todo o paraíso de Pipa”. Serão 362 apartamentos.

E realmente é um paraíso, sem exageros bairristas, como se pode conferir na foto abaixo.

As falésias de Pipa são um dos patrimônios naturais mais festejados do RN. FOTO: reprodução mídias sociais

O que diz empresa e prefeitura

Diante das denúncias de que também estaria descumprindo normas ambientais, a Gav Resorts emitiu uma nota afirmando que a área da construção é privada e que possui todas as licenças e autorizações necessárias para a obra.

A empresa ressaltou ainda que o Chapadão não será fechado, uma preocupação manifestada pelos manifestantes. A nota diz ainda que, em um parecer técnico de 2021, o Idema informou que o empreendimento não está localizado na Área de Preservação Permanente (APP), que compreende uma faixa de 100 metros até a borda da falésia.

Já a Prefeitura de Tibau do Sul reforçou que, embora o Chapadão de Pipa seja um patrimônio turístico do município, existem áreas específicas e demarcadas que, de acordo com a lei, são privadas.

A Prefeitura declarou ainda, por meio de nota, que notificou “os responsáveis pela empresa para verificar o cumprimento do que foi autorizado no alvará e no licenciamento ambiental”.

Pequeno raio-x socioeconômico de Tibau do Sul

Tibau do Sul, com sua biodiversidade única e paisagens naturais incríveis, enfrenta riscos significativos devido ao rápido desenvolvimento imobiliário. O crescimento desenfreado ameaça causar danos irreversíveis ao meio ambiente local, colocando em risco a fauna, a flora e a economia, que depende fortemente do turismo.

Além disso, há uma crescente preocupação com os direitos da comunidade quilombola local, que podem ser violados sem a devida atenção e ação das autoridades competentes.

Nesta outra reportagem (Não há mais lugar para os habitantes tradicionais da praia da Pipa, no Rio Grande do Norte), relatamos como a própria política de preservação ambiental tem gerado danos não reparados às populações nativas.

Resort de luxo no Chapadão de Pipa é epicentro das polêmicas. IMAGEM: Allimulti Incorporadora.

Segundo os dados disponíveis mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Tibau do Sul possui apenas 32,8 % de sua população apta ao trabalho efetivamente ocupada. São números ainda menores que os já baixos nacional e estadual, de 56,6% e 52,5 %, respectivamente.

Dentre os ocupados em Tibau do Sul, a renda média mensal é de apenas 1,5 salário mínimo. Em comparação, no mês de abril deste ano, a renda média do trabalhador brasileiro era de 2,38 salários mínimos. Mais de 40% de sua população vive com até 1/2 salário mínimo por mês, sendo um dos piores índices de todo o Rio Grande do Norte.

Se por um lado os números apontam para a necessidade de incremento econômico e geração de empregos na região, por outro eles dão conta de que o recente progresso vivido pelo turismo local tem beneficiado a poucos.

#TodosPeloChapadão investe em protestos e na conscientização da população local. FOTO: Eduardo Maia

As soluções para problemas complexos costumam ser também complexas. O Coletivo Popular #todospelochapadão afirma que seguirá dedicado à sua missão de proteger Tibau do Sul e suas belezas naturais.

Os ativistas planejam intensificar os esforços para pressionar as autoridades a agir com maior rigor, realizar mais eventos para aumentar a conscientização pública e colaborar com outras organizações para garantir a preservação do meio ambiente, a justiça social e a sustentabilidade econômica em sua cidade.

As empresas citadas não retornaram nosso contato até o momento. Seguiremos aguardando para termos a versão mais atualizada dos fatos. Quanto ao Idema, o órgão passa neste momento por mudanças em seu quadro diretivo e, devido a isso, não pudemos realizar ainda nova entrevista.

Enquanto seguem na luta, novos desafios não param de surgir. Algo que também devemos acompanhar em futuras reportagens diz respeito às perspectivas que esses movimentos locais têm de interferir em processos econômicos globais que estão engolindo suas comunidades, às vezes trazendo progressos, às vezes deixando o vazio atrás de si.

Esta reportagem foi produzida com apoio do

Edital Google News Initiative.

Gostou da matéria?

Contribuindo na nossa campanha da Benfeitoria você recebe nosso jornal mensalmente em casa e apoia no desenvolvimento dos projetos da ANF.

Basta clicar no link para saber as instruções: Benfeitoria Agência de Notícias das Favelas

Conheça nossas redes sociais:

Instagramhttps://www.instagram.com/agenciadenoticiasdasfavelas/

Facebookhttps://www.facebook.com/agenciadenoticiasdasfavelas

Twitterhttps://twitter.com/noticiasfavelas