O 59° Congresso Nacional da UNE- União dos Estudantes do Brasil, chegou ao fim se consolidando com o maior evento de estudantes do Brasil. O evento aconteceu entre os dias 12 e 16 de julho, em Brasília- DF, com a presença de estudantes de todas as regiões do país, especialistas em educação, representantes de movimentos sociais, educadores, parlamentares, personalidades internacionais. Além da presença do Presidente Lula.

A ex-diretora de comunicação da União Nacional dos Estudantes (UNE) Manuella Mirella foi eleita a nova presidente da entidade. Aproximadamente 15 mil estudantes, de diversos estados do Brasil, se reuniram na Universidade de Brasília – UnB, e no Ginásio Nilson Nelson).

Todos os dias foram marcados de diversas atividades de votação, disputa política e plenárias. Foram votadas as teses de Conjuntura, Educação e Movimento Estudantil, bem como a presidência e nova diretoria da entidade pelos próximos dois anos.
O evento foi marcado pelo som rítmico de baterias que ecoavam por todos os lados e ambientes, palavras de ordem que pediam fim do arcabouço fiscal, não ao marco temporal e, principalmente, a favor da revolução, através das plenárias para esclarecimentos antes da votação, mesmo que o público já tivesse conhecimento das questões e decidido em suas próprias segmentações teórico-políticas.
Estádio Nílson Nelson, onde ocorreu as plenárias – Crédito: Allan Igor Andrade de Siqueira

Oposição de esquerda 

Uma das poucas frases e defesas de tese que foram entendíveis, foi a afirmação de Mandi Coelho, representante da juventude do PSTU, o Rebeldia. Ela ressalta que, diferente da majoritária, não irá defender o projeto neoliberal em curso no país. Alega que a UNE é para representar o direito dos estudantes e, apesar de entender a necessidade de uma unidade contra o fascismo, não pode-se deixar isso enfraquecer o caráter de oposição que deve possuir o movimento estudantil.

Outros representantes dos movimentos alegam o mesmo, como o Correnteza, Juventude do Unidade Popular. Juan Borges, militante e estudante da IBMR no Rio de Janeiro, fala sobre a majoritária não abrir espaço para outras representações e a falta de transparência com o destino dos recursos da UNE. “A UNE não é a mesma de antes. Não se divulga, não integra os estudantes, ainda mais os de particulares. (…) O alojamento desse ano, por exemplo, é um desrespeito a oposição”.

Para ilustrar a precariedade do local,  um escorpião picou, dentro do alojamento, Bruna, militante do Faísca e estudante da UFF. Ela teve de passar quase todo o último dia de evento no médico. Ela agradeceu o auxílio dos seus companheiros de militância.

A segmentação da oposição e resultados

Há muitas vertentes teóricas quanto como atingir a meta final de comunismo, além de outras diversas estratégias nas conjunturas políticas atuais que dividem os movimentos. Alguns escolheram se unirem a uma chapa única da oposição de esquerda, composta pela juventude do PSOL (Juntos!, Pajeú, Ecoar, Alicerce, Revolução Socialista), Vamos à Luta (PSOL), Correnteza (UP) e UJC (PCB). 

Todos os dias houve tensão entre as diversas organizações. O Afronte, que também faz parte da juventude do PSOL, foi a favor da chapa majoritária, indo contra seus companheiros de partido.

O Juntos e o Afronte tiveram diversos momentos de tensão entre seus militantes dentro do estádio e toda a oposição de esquerda perguntou do porquê ir contra a própria base política. 

A oposição de esquerda conseguiu ganhar 3 cadeiras de representação na executiva da UNE, ficando em 2° lugar com 1005 votos. Apesar de expressivo, é um número muito inferior ao 1° lugar, da majoritária, com 4593 votos, que ganharam 3 cadeiras na executiva também.

Juan Borges explica que essa diferença tão grande deve-se a UJS trazer pessoas para votar sem o credenciamento prévio e alega aumento expressivo do penúltimo dia para o último na quantidade de militantes deles.

Ainda que exista a oposição como unidade contra a maior chapa, poucos votos sobram dos outros movimentos, não chegando a 1000 votos o total de todos em outras chapas. 

Fim do evento

Antes de anoitecer, na frente da barraca do Juntos, começa a União da Juventude Comunista (UJC) a levantar gritos de guerra. Ela clama por revolução e um estado socialista, enquanto ofende as conciliações e a juventude do PT, a MPJ.

De repente, após arremessarem água e lixo uns nos outros, os dois amontoados de gente entram em conflito. Assim, todos começam a se afastar da briga generalizada que ocorria. 

Outros conflitos aconteceram ao longo do evento, após os resultados finais, mas é incerto apontar quais em específico. Todos criticam o movimento contrário de “playboizada”, sem terem fundamentos na crítica, além dos próprios achismos. Muito do campo teórico da política ocidental também é ressaltado nas críticas entre os movimentos.

Por isso, é importante pontuar que o evento por si só não ofereceu transporte ou estadia por fora, logo alunos que não possuem renda para se fazer presente nesses espaços são excluídos sem o diálogo com o movimento estudantil.

Mesmo assim, a partir da organização deste último, torna-se diferente as políticas para poder ingressar em seus ônibus. No caso do Juntos,  não limitaram seus ônibus aos seus militantes, trazendo pessoas não associadas.

Todos estão em busca de pertencimento

Militante da UJS, Isadora Rebiasi da UFFS, alega que é um equívoco pensar que eles são a favor do arcabouço fiscal e o marco temporal. “Ninguém é realmente a favor, mas a gente tem o papel de apoiar as decisões boas e criticar as ruins” diz ela em resposta às críticas da oposição.

Ela explica o porquê escolheu a juventude do PCdoB e diz que já passou por diversas correntes, mas se encontrou dentro da união socialista. “Já analisei e passei por vários movimentos, mas a  UJS me acolheu. Eu me sinto pertencente aqui dentro, sinto que posso fazer a diferença”. 

Todos que ingressam no movimento estudantil é pelo desejo de mudança, de se sentir ouvido, é a busca por pertencimento. Por isso, a maioria dos gritos de guerra do evento clamavam por revolução e eram entoados com força, exigindo respeito e mudanças. Apesar das diferenças existentes (muitas), também muito todos se assemelham por um objetivo: o fim do capitalismo. 

O congresso e a UNE

Realizado a cada dois anos, o CONUNE reúne jovens estudantes do Brasil para eleger os seus representantes na UNE , União Nacional dos Estudantes. É a entidade quem organiza o evento, sendo reconhecida pelas ações contra a ditadura militar brasileira de 64  e sua complexa história.

Nele, votam em plenárias as teses de Conjuntura, Educação e Movimento Estudantil que são propostas para essas áreas, bem como a presidência e nova diretoria da entidade pelos próximos dois anos.

A UNE foi fundada, principalmente, pela União da Juventude Comunista (UJC) em 1937. Ela possuía após seu 2º congresso (1938), já durante o Estado Novo, Getúlio Vargas como seu patrono. Apesar disso, após 1940, com a clareza que Getúlio continuava representando o Estado Burguês, a UNE defende o fim da Ditadura de Getúlio e toma posição contra o nazifascismo, defendendo a ruptura do Brasil com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).

Apesar da controvérsias, o congresso em si é um evento de extrema importância para engajar jovens na política e estimular o debate entre as vertentes, trocas de estratégias e avanço das pautas estudantis. Por isso, muitas melhorias devem ser feitas, seja na quantidade de refeições, no alojamento, ou seja, na produção do evento, mas também há muita a ser feito na UNE e na política nacional como um todo num consenso entre as estudantes. 

 A diminuição das mensalidades de particulares, o aumento do investimento em universidades particulares, a transparência dos gastos da entidade e a implementação de vestibular indígena/quilombola como a melhoria no sistema de cotas são pautas que deveriam ser gerais, mas são pautadas apenas no evento. Seja o fim do vestibular o objetivo final, esses mecanismos ultrapassam idealismos e possibilitam mudanças, como a própria política de cota vem permitindo. 

Uma nota sobre as cotas

A partir do ampliamento do acesso das classe mais baixas ao ensino superior, há uma tentativa de igualar as representações em posições de poder. Portanto, organizar e ocupar esses espaços é necessário para articulação política em prol da população, é o jogo do ocidente. Jogo esse que historicamente negado a população popular, em especial negra e indígena  no Brasil.

Sueli Carneiro em sua tese de doutorado “A construção do outro como não-ser como fundamento do ser” fala:

“(…)na maior parte desse tempo histórico o negro esteve ausente como sujeito dessa reflexão. Essa extraordinária produção sobre esse objeto se deu ao mesmo tempo tomando-o como informante desse domínio, porém sem o seu acolhimento como sujeito político e de conhecimento e, em muitos momentos, desqualificando a resistência negra pelo apelo à racialidade enquanto fator de subordinação e exclusão social, passível de ser mobilizada para a superação das diferenças raciais socialmente construídas”.

Num país de maioria negra, essa reparação histórica é a forma de incluir o popular para estruturar seus próprios meios de articulação, organização e mobilização. Sendo assim, como muito tocado pela produção do evento: “As cotas abrem portas” e essas são em prol da própria revolução no nosso sistema. Sabemos que o fim do capitalismo e a descolonização tem semântica parecida no Brasil.

O capitalismo é a instauração da exploração após o acúmulo prévio de capital com a colonização, como fala o próprio Karl Marx. A partir das cotas, há portas para descolonizar as instituições ou, até mesmo, para a tão sonhada revolução.