Candomblecistas enfrentam preconceito dentro e fora das favelas
Intolerância religiosa é a incapacidade de aceitar e respeitar a religião ou crença de outros indivíduos, levando a atitudes agressivas ou repressoras. Para chamar atenção para o problema, foi instituído, em 2007, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado em 21 de janeiro, em memória da ialorixá Gildásia dos Santos, a mãe Gilda de Ogum. Ela teve seu templo depredado por membros da igreja Deus é Amor em 1999. Não superando o trauma dos ataques, faleceu poucos meses depois, vítima de infarto.
No Brasil, esse tipo de intolerância é considerado crime de ódio e quem o comete está sujeito à multa e prisão. Porém, ataques dessa ordem vêm crescendo, com mais frequência contra religiões de matriz africana, até mesmo durante a pandemia. Líderes de crenças afro-brasileiras dizem que o isolamento social acirrou o ódio, mas está mais difícil monitorar e quantificar os ataques a terreiros e a adeptos da umbanda e do candomblé.
Júlio Barroso, produtor cultural, de 52 anos, e candomblecista desde os seis, diz que nunca viu tanta discriminação de religiões afro-brasileiras como agora. “É muito triste ver pessoas pretas da religião pentecostal serem tão defensoras dessa perseguição. Nossa religião tem sofrido constantemente com destruição de terreiros e apedrejamento de irmãs de santo que estão de branco ou de turbante nas ruas”.
Júlio conta que quando não está na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde mora e realiza seus projetos culturais, é visto com maus olhos ao falar da sua religião. “Sou da velha-guarda, digo sem medo que sou macumbeiro mesmo”, afirma rindo.
Matheus, de 23 anos, que prefere não revelar seu sobrenome por questão de segurança, também foi criado em terreiro desde pequeno e há três anos virou zelador de santo. Morador do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, convive com a intolerância religiosa desde a adolescência. Na escola, os professores e diretor não aceitavam que ele fosse todo de branco, com fios de contas e com a cabeça coberta em dias de iniciação de alguém no culto aos orixás.
“Minha mãe conversou com eles, mas não adiantou. Foi bem difícil, pois tivemos que ir ao conselho tutelar e fazer as provas em casa. Fui à escola algumas vezes e via as pessoas cochichando, falando e me olhando estranho”, recorda.
O jovem acredita que um dos motivos para a discriminação da umbanda ou candomblé é a falta de oportunidade de fala que essas religiões possuem. “Não temos um horário na TV, uma oportunidade de fala em massa como católicos e evangélicos. Eles têm mais visibilidade”.
Matheus ressalta que cada um é livre para fazer suas escolhas. “Não vamos até a casa das pessoas chamá-las para seguir a religião, até porque cada uma segue aquilo que lhe faz bem. Se tivéssemos mais visibilidade, as coisas poderiam ser diferentes”.
Matéria originalmente publicada no jornal A Voz da Favela de janeiro/2021.