Nos últimos cinco meses, foram registradas 5.289 ocorrências de furtos de alimentos ocorridos no Paraná, excluindo o furto de cargas. Esse número representa um crescimento de 38% se comparado de maio a outubro do ano anterior. Os produtos alimentícios mais furtados foram carne bovina (55%), leite e derivados (25%), alimentos infantis (12%), sorvetes e doces (5%), outros (3%). Desses delitos, 71,7% foram cometidos por mulheres, mães e desempregadas. Os números, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), ajudam a revelar o retrato da fome durante a pandemia no Paraná.
De acordo com o artigo 24 do Código Penal, se alguém praticou um delito para “se salvar de perigo atual que não poderia ser evitado de outra forma”, fica “excluída sua ilicitude”, ou seja, os famintos não praticam crime ao furtar alimentos se for para saciar a fome. A concepção de fome, com base na lei, está ligada diretamente ao risco emergencial à vida. O acusado deve oferecer provas consistentes de que se encontra nessa situação.
O tipo de alimento furtado implica diretamente no juízo de valor. Juízes analisam se houve escolha de maior valor ou que represente preferência por gosto e, nesses casos, os crimes passam a não ser considerados famélicos. Advogados e advogadas progressistas costumam usar o princípio da insignificância nesses casos, onde pelo pouco valor e dano não deveriam ser julgados na Justiça penal. Mesmo com o grande esforço desses profissionais, muitos dos casos chegam à terceira instância do Judiciário, causando uma superlotação, lentidão da Justiça e principalmente a criminalização da fome.
Não há sentindo em criminalizar a pobreza nem do ponto de vista econômico, já que é custoso para o Estado a manutenção desses processos, nem do ponto de visto jurídico, uma vez que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu pela absolvição de diversos casos de furtos de alimentos, aplicando o princípio da insignificância para produtos subtraídos que valiam 10% do salário mínimo. Outras Cortes utilizam a jurisprudência que determina como insignificante até 50% do salário mínimo.
Na pandemia, essa situação piorou. Os órgãos públicos responsáveis por monitorar a fome, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), vêm sofrendo diversos desmontes do governo federal, o que ajuda a mascarar a situação desesperadora de milhares de famílias no Paraná.
Furto famélico
O furto famélico é quando alguém furta para saciar uma necessidade urgente e relevante. Consiste na subtração de coisa alheia móvel por quem que se encontra em estado de penúria e que busca fartar sua própria fome ou de sua família ou algo essencial para a saúde e sobrevivência, como um remédio.