Mães pretas encontram quase o dobro de dificuldades para vacinar seus filhos em comparação com mães branca.
No Brasil, crianças cujos responsáveis são pretos enfrentam maiores atrasos no calendário vacinal e têm menos acesso à vacinação nos primeiros anos de vida, de acordo com pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Os dados foram publicados na última sexta-feira (23) na “Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde”.
O estudo revelou que 23% dos responsáveis relataram ter deixado de vacinar a criança, mesmo após levá-la ao posto de vacinação. Essa taxa é de 17% entre brancos e supera 29% entre pretos. Mães pretas encontram quase o dobro de dificuldades para vacinar seus filhos em comparação com mães brancas.
Além disso, a pesquisa indica uma desigualdade racial na cobertura vacinal oportuna para crianças aos cinco, doze e vinte e quatro meses de vida, períodos em que são aplicadas vacinas como tríplice viral, hepatite A e rotavírus, entre outras.
Para Antonio Fernando Boing, autor do estudo e professor da UFSC, o problema reproduz as desvantagens materiais vivenciadas pela população preta. “As dificuldades para se chegar aos postos de vacinação e, depois, para garantir a vacina no braço não se distribuem de forma aleatória no país, elas são mais comuns quando mães, pais ou responsáveis são pretos e isso é inaceitável”, defende.
O estudo revela que, além da discussão sobre a disseminação de notícias falsas sobre vacinação, é crucial debater e abordar como as condições materiais de vida e as falhas estruturais dos serviços de saúde ampliam as desigualdades sociais e afetam negativamente as taxas de vacinação.“Pessoas que reconhecem os benefícios das vacinas e desejam aplicá-las em seus filhos estão tendo dificuldades de acesso a elas, sobretudo se forem pretas”, pontua.
Para Boing, mudar esse cenário exige melhorar as condições de vida da população, qualificar o SUS e investir em ações de monitoramento e enfrentamento de desigualdades em saúde.
Além disso, os dados destacam a alta frequência de atrasos e falhas na vacinação no Brasil. A maioria (86%) das crianças nascidas em 2017 e 2018 não recebeu as vacinas no prazo correto, devido a problemas como dificuldade de acesso, falta de imunizantes e ausência de profissionais ou materiais necessários nas salas de vacinação.
A pesquisa usou dados do Inquérito Nacional de Cobertura Vacinal, abrangendo mais de 37,8 mil nascidos vivos em 2017 e 2018. Incluiu também entrevistas com responsáveis pelas crianças, além da análise das cadernetas de vacinação em todas as 26 capitais do Brasil, no Distrito Federal e em 12 cidades com mais de 100 mil habitantes.
Os problemas mais frequentes foram a falta de vacina, salas de vacinação fechadas e ausência de profissionais de saúde. Além disso, 7% dos responsáveis enfrentaram dificuldades para levar seus filhos à vacinação, devido a questões como falta de tempo e problemas de transporte. A probabilidade de enfrentar essas dificuldades foi 75% maior entre a população preta em comparação com a branca.