Estamos nem no meio de janeiro e desejei Feliz Ano Novo para uma amiga que não via desde o meio do ano passado. Meu irmão, que estava comigo, me olhou com espanto e minha amiga sorriu meio sem jeito, talvez um pouco surpresa, e então retribuiu rindo “Feliz Ano Novo atrasado”.

Foi a minha vez de ficar surpresa, mas por que atrasado? Nós ainda não tínhamos nos visto, na correria da vida não tínhamos nem nos falado por redes sociais. Meu irmão emendou com “muito estranho ouvir feliz Ano Novo depois do 02 de janeiro”. Minha amiga foi um pouco mais generosa no prazo do feliz Ano Novo dizendo “é usual até dia 10 de janeiro, depois o mundo já está normal, a maioria já está trabalhando”. Ela falou com naturalidade, mas ainda rindo.

A normalidade do prazo das felicitações pelo ano me atravessou de surpresa, me atingiu com um fluxo de pensamentos acelerados. Por que tem prazo para felicitações? O mundo só fica normal quando as pessoas voltam a trabalhar? E as crianças que estão em férias escolares e não voltaram à rotina escolar? Para elas, é permitido desejar feliz Ano Novo até fevereiro?

Porque para o meu irmão, de apenas 15 anos, que não trabalha e está de férias, o prazo é apenas até o dia 02? Dá tempo de felicitar todo mundo do dia 31 ao dia 02? Agora também estou pensando quando começa oficialmente a “permissão” para desejar feliz Ano Novo? É junto com felicitações de Natal antes dos recessos ou apenas depois do Natal, até o dia 02 ou ao dia 10?

Verbalizei minha indignação: “Mas da onde vocês tiraram essas regras?” Meu irmão me responde que “depois do dia 02, ninguém mais compartilha nada sobre feliz Ano Novo, a treads são outras”.

Minha amiga me responde que, “se você não falou com a pessoa até o dia 10, essa pessoa não é tão importante assim”. As duas respostas me nocautearam. Como assim as redes socais definem até quando a sociedade pode renovar os votos de um ano feliz? A resposta da minha amiga foi ainda pior… O grau de importância das pessoas medido por um calendário, será que faz sentido?

Confesso que me veio uma certa culpa, tem muitas pessoas que amo e que eu desejo um 2024 incrível que ainda não desejei feliz Ano Novo. Eu não fiz uma lista de disparos com mensagens e também não queria terminar meu ano mandando mensagens de feliz Ano Novo, nem começar o ano mandado mensagens.

Isso me levou a pensar que eu sou meio mística e que gosto de rituais de finalização e começos e que acho que esses momentos são mais introspectivos, ao mesmo tempo que quero emanar e dividir todo amor e esperança para a humanidade.

Imediatamente, me lembrei que ouvir de uma amiga que eu tenho um apego a datas e que eu gosto delas. Eu gosto de escrever sobre os dias cunhados pelos movimentos sociais ou feriados e refletir sobre eles, até escutar isso eu nunca tinha reparado nessa espécie de cumplicidade e comprometimento que eu tenho o calendário. Me veio as próximas datas importantes de janeiro, meu aniversário, que é um momento meu, e aceito felicitações o ano inteiro, e o dia da visibilidade trans, 29 de janeiro, que é preciso ser marcado, mas não pode ser um tema somente desta data.

Paralelo às datas de calendário, me lembrei de outra amiga, cuja o marido foi preso no ano passado. Saíra da penitenciária no fim de janeiro e ela disse que o ano dela só começará quando esse pesadelo acabar.

Lembrei de outro colega que será pai ainda janeiro e disse que 2024 só será de verdade quando o filho nascer. Ontem, ouvi de um colega de trabalho que o ano não começa depois do Carnaval, mas sim quando chega o primeiro boleto de janeiro – ao mesmo tempo, abro o Instagram e leio um post. Ele diz que estamos no meio de janeiro e que não precisamos nos desesperar, que cada dia é um novo recomeço e a chance do novo acontecer.

Pensando no Instagram, também lembrei que uma vez li que comemorar o Ano Novo dia 31 de dezembro a meia noite não faz sentido nenhum, uma vez que para a natureza não é nenhum marco, não é solstício de verão, os passarinhos não cantam a meia noite, nem o sol e nem a lua nascem nesse horário, que nosso tão celebrado Ano Novo é apenas uma convenção de calendário.

Lembrei que não gostei de ler “apenas uma convenção”. Parece errado: o Ano Novo é uma grande data, tá rolando uma energia de esperança no mundo todo, é dia 01 – confraternização universal, como dia o calendário.

Respirei fundo num estado de reflexão. Entendi que o recomeço é importante, e que acho que internamente vou convencionar desejar feliz Ano Novo até o Carnaval, com a justificativa que eu amo desejar feliz Ano Novo para pessoas e saber os planos delas para o ano e que eu também amo o Carnaval e adoro essa clima carnavalesco e colorido e que se precisa haver uma data para parar de desejar feliz Ano Novo, que seja encerrada com festa e purpurina.

Acho, inclusive, simbólico que todo o recomeço comece feliz e celebrado. Mas se quiser desejar feliz Ano Novo depois do Carnaval, também pode. Descobri que gosto de datas marcadas, mas eu amo uma transgressão, uma revolução, seja ela interna ou a ponto de mudar o calendário.

A propósito, feliz Ano Novo!

Gostou da matéria?

Contribuindo na nossa campanha da Benfeitoria você recebe nosso jornal mensalmente em casa e apoia no desenvolvimento dos projetos da ANF.

Basta clicar no link para saber as instruções: Benfeitoria Agência de Notícias das Favelas

Conheça nossas redes sociais:

Instagramhttps://www.instagram.com/agenciadenoticiasdasfavelas/

Facebookhttps://www.facebook.com/agenciadenoticiasdasfavelas

Twitterhttps://twitter.com/noticiasfavelas