Adda disse que eu estava por um triz. Dizia que as coisas estavam muito aqui e assim, passava as mãos ao redor da cabeça, enquanto falava. Essa foi quase a frase de Vivi, que me dizia muito projetada e inclinava o corpo para frente. Eu não sei quando foi que fiquei por um triz, nem como meu corpo pendeu. Pensando com Caio, “eu me achava muito dona dos meus processos”, até que foi um calar de alguém não querer me ouvir e outro de alguém não poder me ouvir, mesmo que quisesse. Eu acho.
Caronte não atravessa o rio sem a moeda. Eu não faço dos meus mortos travessia sem a palavra dita.
Dei de cozinhar umas dores. Não que eu quisesse. Eu me via encurralada pelos corpos brutos da cidade. Quase nenhuma ternura, a não ser nas pequenas frestas dos muros, donde brota uma trapoeraba, um picão branco, uma serralha que ninguém faz conta. Quase ninguém.
Por vezes, pensei que era loucura essa coisa de ver a vida por persianas. Faz quase um ano que não consigo ver além das treliças. Há muitas saídas, eu sei. Há sonhos de água, de interior e cabana. Há um cheiro vivo do meu jardim nas ventas. Quase ouço a chirimoya me chamar.
– Aonde foi meu bem?
Acho que é a segunda vez que a vida me aparta assim de seres que amo e para os quais não há mesmo palavra que eu possa dizer. As orquídeas não brotaram em outubro.
Vejo corpos amados pelas telas. Sinto saudades de um mundo que não há. De sua tumba, ouço Vivo dizendo “Coitaaaada“, no tom do melhor deboche. Posso ainda rir com meu amigo morto.
– Sim, dona mocinha, donde saiu tanta amargura?
– Dos cabelos de Dedé, que não toquei.
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