Antes, não as víamos. Período áureo na inocência de nossas vidas. Estavam lá, mas discretas. Nas grandes propriedades as usavam, as conhecemos com respeito e distancia, como fomos educados. Raras ergueram-se. Regadas por que estímulos, por que motores?
Não éramos cercados como nós o somos hoje. Não as percebemos crescer, florescidas, porém, tudo tomam. As grades. As que nos impuseram e que, portanto, impusemos aos outros. O enredo do conflito final!
Aos que podem observar as lembranças que guardam, por quais grades foram interrompidos, ou são, trarão nas ranhuras de seu curso, as poucas catracas que foram obrigados a passar. São essas, naturalmente, a que se dedicam os analistas da razão a desembaraçar. Contudo, sem dúvida que essas celas, antes na mente, sem pompa ou circunstância, como é típico do gênero, já comprometem toda a periferia.
Onde víamos portas e janelas abertas, temos paredões. Os rostos dos indivíduos ora saudosos foram ficando pouco a pouco, deformados por grades, soterrados por muros. Os sorrisos, ou cavados por pesquisadores à face dos tempos, ou abafados, vedados, solapados.
Como numa estratégia de Forte Militar, obedecemos rigidamente os protocolos em enquadramentos disciplinares diante de qualquer possível cortesia, pretendendo data, hora marcada, para cumprimentar. Assim surge, frente nossa distinta simpatia, a marca da extinção.
Cercamo-nos por todos os lados, como doentios reflexos do medo ou da precaução. Como fossem de uma natureza superior, imbatível aderimos aos seus efeitos. As muralhas fincadas como projetos arquitetônicos se espalham pelos subúrbios, escalam os céus, desfazem do sol, agonizam os horizontes.
Nosso isolamento é planejado muito antes de qualquer evento externo, que, por ventura, viesse afirmá-lo. Não é um vírus no ar. É uma espécie de aperfeiçoamento das grades. Isolados, não mais que olharam para dentro de seus próprios desejos, em conjunto, tiveram que se entender com os demais. Os indivíduos duvidosos da interação se retraem, receosos de um encarar presencial se desgastam com seus perfis pelas redes, em relações artificiais.
O que dá forma real às massas, insatisfaz os escusos produtores de grades. Logo, desenvolvem configurações, algoritmos para tal função, tornando as demandas das massas não mais que invisíveis. Que, por hora, vivem a distração de uma alegria perdida. São os programadores do culto da segurança.
Noutro dia, perguntado a um pedreiro, em vista de que estranho e obsceno motivo haveria o dono da casa, reduzir seu muro. Se seus jardins expostos aliviariam a paisagem. Inclinou a cabeça, abriu os braços voltando ao serviço, sem poupar opiniões a seu juízo, dentre muitas a mais provável, chamando-o de louco.
Os defensores das fortalezas afirmam que os pobres também devem ter o direito de se defender. Defender-se de outros ainda mais pobres. Numa escala de ameaças. São os olhares daqueles que apontam inimigos em todo lugar. Já não é assim que andamos pela rua?
Não demorará haveremos de nos tornar um enorme Gueto com ambição de Bunker. Há mais que muros e grades perceptíveis na psicosfera da cidade. Na sua gênese, o complexo da trincheira. Os que têm em excesso se apartam e se cercam dos que não tem, entre esses, dos que têm menos ou nada têm a perder.
Para não se sentirem mais sós, os que têm em excesso, exportam suas paranóias, seus temores à moda da última temporada ao resto da cidade fendida entre, as fachadas e os escombros internos, em troca de uma passiva e irrefletida obediência. Mas então, move-se o medo, que justifica o ataque.
Como não bastasse arames farpados, por vezes, cercas elétricas, grupos armados, para além das câmeras de monitoramento, qualquer aparelho portátil hoje tudo registra, nos vemos todos filmados.
E por isso, sabemos que, apesar das grades, dos muros, dos arames e das cercas, das redes que aprisionam, das câmeras e outros aparatos de defesa da insegurança de um Estado penal, há uma diferença brutal entre, quando a polícia é chamada a um condomínio e os rastros que ela deixa quando sai de uma favela.
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