Há quase duas semanas, alguém acometido por um censo de disciplina despertou meia hora antes, jejuou em pé na estrada para chegar antes de seus pares, antes que, nas intrigas de departamentos, ameaçassem seu humilde posto.
No mesmo período alguém recém contratado, para os bons olhos de sua patroa, meteu-se a fazer cabelos até tarde da noite, prevendo alguma compensação de elogio.
Desta feita, um padeiro economizou no material, produzindo o mesmo número de pães, um segurança deu umas tapas a mais, apenas por suspeitar, e num passeio de dondoca junto ao cachorrinho, diante da escassez nas mãos espalmadas, um guardinha fez valer sua farda, a fim de manter a paz.
Há quase duas semanas nada mudara na rotina dos transeuntes. Os engarrafamentos testavam as rédeas dos labutadores.
Um dia, quem sabe, rezam uns, prometiam outros, hão de arrebentar. Viria uma trovoada. Seguiam os juízes, enquanto isso, fazendo seus acordos escusos com as promotorias, inadiáveis. Os tabeliões e os procuradores, assim, com os cartórios, indiferentes a condição do tempo.
Sonhavam os senadores com os votos por emendas, já os lobbys de multinacionais da mineração, por exemplo, nem permitiam que seus deputados dormissem, e vice versa, e como não poderia deixar de ser, os empresários com as privatizações de tudo que é público e serve ao povo.
Há quase duas semanas, final de abril, um jovem de 18 anos fora executado por um policial militar. Antes disso, uma chacina deu cabo de 29, na mesma favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, remontando Vigário Geral, entre outras.
Jhonatan era pai de um bebê de quatro meses e trabalhador. Como de práxis a assessoria da PM alegou drogas e arma de fogo sob sua posse, não encontradas.
Na década de 90, lembremos, no estado do Pará, num povoado chamado Eldorado dos Carajás, 155 soldados com metralhadoras, sentaram o dedo contra um acampamento de camponeses, instrumentos de lavoura às mãos, protestando direito à terra. Onde, depois de tantos quantos feridos, sepultaram 19. Alegando, os militares, legítima defesa.
Pois bem, justo no dia 25, dia da morte de Jhonatan, há quase duas semanas, depois de coagidos por um garimpo, em terras Yanomami uma criança desapareceu no rio, uma menina de 12 foi estuprada, em seguida morta, e toda uma comunidade indígena simplesmente sumiu do mapa, da noite pro dia.
Logo, para a cabeça quebrada de muita gente, as companhias de mineração que exploram ilegalmente o subsolo e toda sorte de violência que carregam junto, são os ossos do ofício do progresso, as instituições militares que não encontram evidências, e quase sempre cometem as faltas que devem ser investigadas, dizem apurar, deixam prescrever.
Os parlamentares, o que podem dizer, não há voto em jogo e os juízes que não manifestam indignação, é porque devem ter coisa melhor para se ocupar, no alto espaldar dos privilégios. Os acometidos pelas regras, para quem o sofrimento e o hábito são gestos de subjugação automática, disciplinados esperarão alheios a qualquer desfecho.
Não são ninguém. E as vítimas? Ora sempre elas. As questionáveis vítimas. Seria porque estavam unicamente na hora e no lugar errados?
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