Crônica: Uma crônica da crônica

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Debruçar-se diante da máquina, café à mão. Tem a missão o copo quente de apoio espiritual, uma vez que involuntariamente me diz que não há fuga. A ressaca que tanto nos desorienta, por vezes, trás contornos há muito reprimidos.

São rasgos nos domínios da memória, raros, admiráveis. As palavras lutam arduamente para não saírem, ainda que a cabeça, desconsolada, carregada, pareça concluir às centenas, remotas cenas, vistas recentes da noite passada.

A ressaca é, pois, tanto o exílio quanto a tortura para o poeta.

Quantos panoramas, quantos horizontes. Recorrer à lista de impressões, falas, reações, conflitos previamente assimilados, revistos, firmados. Nada se desenvolve.

A crônica está para a cidade – olha que ela vive em choque – como a musa está para os versos, na sua substância. As cidades precisam que a cantem, antes mesmo que a desgracem, do que não sejam vistas. Mirada a cidade, porém, deve ser descortinada, ameaçada, alvejada em sua farda, desqualificada, tudo mais, ainda que desejada.

A cidade assim exigiu, me tira o cronista do bolso um pensamento dobrado. A correspondência vem da Avenida Gomes Freire, centro. Diz respeito à outra, não resta sofrimento, nem desamor. Fato, aqui não há traição. Ela, a outra se vê em ti, faz parte de seus encantos. Desembrulho. Leio. Misericórdia! São mostras tão honestas, que me fazem cogitar se fui eu mesmo quem escreveu.

Pintou-me, naturalmente, uma figura dada a vagabundagem, um faz versos de esquina. Um escritor talvez, essa coisa instável, quanto mais. Que daria mais prazeres temporários que futuro. Fez-me charme, um balançar de ombro mais atrevido. Lançou-me feitiço, desapareceu.

Corro o risco de nunca mais ver a pequena, uma franja dessas à moda das pioneiras dessa terra, tão moça era, tão sábia na arte de fascinar, depois de descrever seus lábios e olhos… porque a fisionomia vai desaparecendo. Ter nesse momento a dimensão da voz, da cadência do sorriso, da estatura de seu brilho, sei, deve se perder algumas frações já reduzidas do que hoje é, como lembranças de viagens: gerais, isentas, melancólicas.

Os lapsos tem sido comuns. Havia um balcão, uma garrafa vazia, uma roda de samba vazia, um surdo que não se fazia queixar. Tudo arrepiava, tremia. E até então, investigando minha fadiga, nenhuma expressão mais comprometida. Perante o café, à máquina e meu vazio, tirei do bolso. Ah havia. Um fragmento assim dizia:

“Que nem ouso qualquer outra rara esperança,

Nunca, nem bens que a morte ou a vida excedeu

Que sejam beijos, os seus, que dizem, transtornam

Porque meu desejo não ousa, desejar outra coisa…”

O sol já não rebatia, era tarde, mas, ainda manhã, como a cabeça doía. Prendi o papel com adesivo, enrugou. Ele vai envelhecer. E de meu tempo assim desprezado de vida? Até que, talvez, vai saber, espero que somente possa uma nova ressaca virtudes assim conceber, se exprimir.

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