Vejo gritando uma capa de jornal, ainda ao longe. Um urrar tenebroso. Aproximo-me. A banca está vazia, as pessoas passam. Não há ninguém a perguntar.
Frente uma padaria, peço café, espero e assisto. Dezesseis golpes ali diz em letras colossais. O café chega num copo descartável, humildemente exijo um de vidro, aquele que nomearam de “americano”. Lembro-me de uma notícia que alertava para o perigo de líquidos quentes em copos de plástico. Rejeito o açúcar, gosto de café amargo.
Foram mais de dezesseis golpes, indago-me, talvez bem mais. Só no século passado, desde o Panamá, Colômbia, República Dominicana, Honduras, Cuba, Nicarágua até aqui no Brasil em sessenta e quatro, chile setenta e três, os americanos interferiram e promoveram golpes de estado. Não para aí, por toda América Latina, sim, bem mais que dezesseis. Quanto sangue…
Sentado de onde estou o vejo, formato tabloide num mostruário externo, seguro por pregadores de roupa, o vento o folheia docemente. Vejo uma imagem ilustrativa por trás, que não consigo definir. O que me parece ser uma mulher com uma criança de colo.
Quem poderia esquecer a série de ocupações e invasões militares no mar do Caribe, para defender ou forçar interesses comerciais da United Fruit Company, cunhando o termo depreciativo “República das Bananas”, a todos nós. Onde tudo teve início. Para eles, os americanos, foi simplesmente uma “Política de Boa Vizinhança”, diriam. E, continuam dizendo.
Nem poderia esquecer da Líbia à poucos anos. Houve escravidão, como nos livros de história. Escravidão. Gente pendurada por cordas, colocadas à venda. Na desorganização que a guerra causou, famílias se refugiaram, se separaram, foram negociadas. Com mais de oitocentas bases militares cercando o mundo, acho que acreditam ser xerifes de filmes medíocres.
Vejo uma pequena fila de três indivíduos à espera do jornaleiro. Vejo meu terceiro café chegar a bancada. Vejo um funcionário da padaria ler um jornal e vejo uma senhora gesticular assombrada. Vejo um pedinte entrar descalço, cabeça baixa, perto apontar, comentar a notícia. Do alto do meu banco vejo um carro da polícia à mil, suas luzes vermelhas revestirem os espelhos nas paredes.
Uma placa retorcida mais além, onde com dificuldade se lia, Rua Quito, Penha. Vejo um tabuleiro de pães vindo do forno e um velho colocar no bicho sua fé, a aposta beijar, em seguida na curva, um ônibus quase o levar, a aposta e o poste. E, uma jovem abrir o caixa, atender espantada.
Perto porém, ainda na fila, leio. Espero o troco. Não foi o golpe que imaginei, não, com grupos de sicários, juízes, ou parlamentares comprados que pudessem ameaçar algum povo do oriente, da África ou latino-americano, ao menos por hora.
E não menos de dezesseis golpes, um ex-marido à facada deu numa mulher, diante das próprias filhas. Um ex-pai certamente. Dessa forma! Nada informava além do fato.
Levo, dobro, retorno. Durante o quarto café nada divago, estarrecido. Um homem comenta ao meu lado:
– Deve ter feito por onde
Sorri, um sorriso amarelo. Como esse, um mais jovem também.
As vítimas são culpadas. Os povos, agredidos. Enquanto, toda dor parece uma dor igual, convivendo com opressões, sem que todos saibam o porque. Saturado penso em sair. Contudo o quinto café por conta, chega. Naquele mesmo copo. Copo clássico. Copo que eu não sei, desse nome, o porquê.
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