Prezados amigos,
em atenção a matéria veiculada neste dia no jornal O GLOBO, sobre
os cursos jurídicos no Brasil, a partir da avaliação do advogado Sergio
Bermudes, alimento as minhas análises críticas sobre os cursos,
especialmente a organização e as atividades (sala de aula e
extraclasse).
Inicialmente é preciso lembrar que os cursos jurídicos no Brasil
surgiram como projeto político para efetivar os interesses
aristocráticos, posto que na República a elite vislumbrava o controle
pleno dos setores políticos, prioritariamente os relacionados ao
mercado e ao controle moral e jurídicos da população. Vale dizer,
portanto, que as regras para a consolidação dos interesses privados e
públicos estavam dispersos e obscuros, não havendo visível clareza
sobre o que se pretendia para a elite e para o povo. Neste cenário, os
cursos são criados, ainda no século XIX, em São Paulo e Recife, como
forma de criar o grupo responsável pela condução dos discursos,
práticas e ações políticas do ordenamento jurídico interno. Neste
sentido, certamente, participaram intensamente os representantes das
famílias mais influentes.
O que nos chama a atenção, é o fato de que de lá para cá pouco se
alterou em termos práticos nos cursos. Em tempos de uma sociedade
regida por um Estado Democrático Social e Constitucional de Direito os
projetos governamentais direcionam, logicamente, para que os cursos
sejam interdisciplinares, críticos e humanistas. Contudo, na prática,
os cursos possuem um modelo quase padrão, com praticamente as
mesmas disciplinas, localizadas nos mesmos ‘momentos dos cursos’, e
executando metodologias pedagógicas identicas (aulas expositivas,
utilizando as referências teóricas com os chamados "doutrinadores"
(aqueles que doutrinam) e mínima relação com o cotidiano, a prática ou
o dia a dia…).
A capacidade de implementarmos um curso repetitivo de idéias, sem
fomentar na essência o potencial avaliativo, crítico e transformador do
aluno, que via de regra está explodindo de expectativa, é
exponencialmente maior do que o inveso. E neste passo, até mesmo as
avaliações se identificam, tanto as dos cursos como as dos órgãos
externos, como a OAB, Magistratura, Ministério Público nos quais o que
se pretende é avaliar o "quantum" de informações que o aluno
"memorizou", deixando de lado o que se pode fazer com as informações.
Os grandes impasses dos direitos fundamentais, da prisão, da relação
entre pessoas, do avanço empresarial, reduz-se, lamentavelmente, as
estragégias para a aprovação e o acesso ao maravilhoso mercado, no qual
o aluno vislumbra, basicamente, o alto salário e sua estabilidade. Isso
é muito bom, mas não é o fim em si mesmo!
O Ministério da Educação, com seu atual instrumento de avaliação,
sugere excelentes referências para os cursos, mas estes parecem
acreditar que devem, na prática, manter as mesmas estruturas,
metodologias e recursos de aprendizagem. O curso não deve ser apenas
para formar um aluno preparado para o exame de ordem, ou para a
advocacia. Na prática os alunos tem interesse em cargos públicos e,
para tanto, conhecer as tensões sociais nas suas mais diversas
facetas torna-se fundamental.
O advogado Sergio Bermudes parece lamentar o perfil dos cursos no
Brasil, mas nas suas análises, estudar é a melhor ferramenta. Cabe,
neste passo, às instituições, o papel de definir qual o melhor formato
do curso, e não apenas implantá-lo como todos os outros. Uma boa
biblioteca é fundamental, mas usá-la como regra é muito melhor. Uma boa
estrutura de sala de aula é fundamental, mas apenas para repetir é um
desperdício.
Deveríamos participar mais do processo de transformação dos cursos
jurídicos no Brasil, para que os "doutores" se percebessem dentro de um
contexto complexo, no qual existem pessoas diferentes, um projeto
nacional e um futuro longo e indeterminado.
Pensar em substituir as aulas que apenas reproduzem as ideias dos "doutrinadores" e pouco se avalia quanto as decisões judiciais e suas particularidades; cursos cujos professores não vão além da interpretação doutrinária,
pois deveríamos ter EDUCADORES em sala de aula, que diversificassem as
metodologias e práticas pedagógicas, a partir do projeto e do objetivo
do curso; propiciar inovações aos alunos, para que as aulas
sejam verdadeiros laboratórios jurídicos, políticos e sociais; conceber
um curso que realmente busque uma formação teórica e prática, baseada
nas perspectivas humanistas e críticas;…dentre outras críticas e
propostas, seria fomentar uma formação moderna e menos presa ao arcaico
interesse limitador do pensamento jurídico.
Abaixo estão transcritas as referências de avaliação utilizadas
pelo MEC, no que tange a nota máxima (5), sobre as dimensões
"Organização didático-pedagógica" e "corpo docente".
Em seguida, a entrevista do advogado Sergio Bermudes.
Saudações
Aderlan Crespo – Membro do Conselho Diretor da ANF
SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR – SINAES
Instrumento de avaliação do curso de Direito
DIMENSÃO 1: ORGANIZAÇÃO DIDÁTICO PEDAGÓGICA
1.1.1 Objetivos do cur so
5 Quando os objetivos do curso estão implantados de forma excelente8, expressando os
compromissos institucionais em relação ao ensino, à pesquisa, à extensão, ao perfil do
egresso e às DCNs
1.2.1 Matriz curricular
5 Quando a distribuição das disciplinas/unidades curriculares3 apresenta excelente coerência
com o perfil do egresso, com a formação dos docentes pertinente à cada atividade,,
dimensionamento da carga horária, considerando: atividades de sala de aulas, extraclasse,
complementares, estágios, demais atividades práticas que possibilitem uma abordagem
humanística e ética na relação advogado/cliente.
1.2.2 Conteúdos curriculares
5 Quando os conteúdos curriculares são relevantes, atualizados e coerentes com os objetivos
do curso e com o perfil do egresso, apresentam excelente dimensionamento da carga
horária para o seu desenvolvimento e são complementados por atividades extraclasse
definidas e articuladas, de forma excelente, com o processo global de formação.
1.2.3 Metodologia
5 Quando a metodologia do curso está comprometida, de forma excelente, com a contextualização,
com a interdisciplinaridade, com o desenvolvimento do espírito científico e com a
formação de sujeitos autônomos e cidadãos.
1.2.4 Atendimento ao discente
5 Quando o curso possui excelente programa sistemático de atendimento extraclasse
e de apoio psicopedagógico ao discente, e de atividades de nivelamento (com
tempos, espaços, carga horária e designação de docentes responsáveis) .
DIMENSÃO 2: CORPO DOCENTE
2.1.1 Composição do NDE13 (Núcleo Docente Estruturante)
5 Quando o NDE é composto pelo coordenador do curso e por, pelo menos, 30% dos docentes
do curso, com participação excelente na implantação e consolidação do Projeto Pedagógico
do Cur so.
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‘Voz da Experiência’
‘Os cursos de direito no Brasil são muito precários’, diz Sergio Bermudes ao Voz da Experiência
Publicada em 03/06/2008 às 00h41m O GLOBO
Natália Soares
RIO – Nascido em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, o advogado
Sergio Bermudes pensou em ser padre. Mas desistiu da idéia ao
acompanhar o cotidiano do escritório do pai e, em 1964, veio para o Rio
para começar os estudos na então Universidade do Estado da Guanabara,
atual Uerj. Com escritórios no Rio, São Paulo e Brasília, Bermudes
lembra que em todo começo de carreira é necessária uma dose de
sacrifício: "Sem ele, você não consegue obter bons resultados".
O que é necessário para um estudante tornar-se um bom advogado? (Edson de Castro)
SERGIO BERMUDES: O meu conselho seria estudar,
com grande afinco. O estudante de Direito não deve se contentar com o
curso jurídico, que, no Brasil, é extremamente precário. Não basta que
se tenha a compreensão da ciência jurídica. Se você quer ser advogado,
é preciso que veja também como o Direito opera na realidade, isto é,
como a fórmula reage quando ela se converte numa realidade palpável.
Também é preciso saber se expressar, por isso a literatura é
indispensável. Por último, o advogado que não fala inglês fica em
desvantagem.
Em uma carreira tão concorrida, qual o atributo que faz a diferença para que o profissional se destaque? (Mariana Ornelas)
BERMUDES: É preciso empenho, dedicação. Quando
perguntavam a Rui Barbosa o que era preciso para ser como ele,
respondia: "Estudem como eu estudei". É preciso muito estudo, mas
também uma boa formação de história, economia, sociologia, ou seja,
conhecimentos gerais.
Existem vagas suficientes para absorver todos os formados? Quais as áreas mais promissoras e as mais saturadas? (Victor Souza)
BERMUDES: Eu costumo dizer aos meus estagiários
que existe lugar para o plantador de batatas doces, desde que ele seja
um bom plantador. Com o desenvolvimento do país, novos negócios surgem
e onde há atividade econômica é preciso ter um advogado, seja para
orientar, seja para corrigir judicialmente deturpações e violações. Se
o advogado for competente, qualquer área é promissora. Destacaria como
áreas em expansão o direito tributário, administrativo e processual,
mas todos os dias surgem áreas novas, como é o caso da arbitragem, que
está florescendo no Brasil. Na medida em que há desenvolvimento, também
crescem os atos ilícitos, daí também a importância do direito criminal.
Estou no sétimo período de uma instituição de Direito que,
recentemente, entrou na lista dos piores cursos do Rio. O que
estudantes na minha situação devem fazer para garantir seus direitos?
(Lais Souza)
BERMUDES: Não há meios de se aprimorar uma
instituição através dos remédios judiciais. A questão da da
precariedade do curso deve ser resolvida no âmbito político.
Internamente, essa atividade se faz pelos discentes, pelo corpo docente
que precisa ser estimulado e pelos órgãos responsáveis. Infelizmente,
há uma quantidade expressiva de pessoas ineptas que estão dando aulas
no curso de Direito.
Em países desenvolvidos, o Direito é aprendido primeiro na
universidade e, só em seguida, nos escritórios de advocacia. No Brasil,
ocorre o inverso: os alunos começam a estagiar no início do curso, sob
pena de não se inserirem no mercado. O que o senhor pensa sobre isto?
(Marcelo Guimarães)
BERMUDES:
Considerada a realidade do Brasil, o estágio é um complemento valioso e
preponderante não só para a formação profissional, mas também para os
conhecimentos jurídicos. Os estagiários aprendem Direito nos
escritórios, desde que os advogados e os próprios estagiários
compreendam um ponto essencial: a função do estagiário não é servir ao
escritório, mas são os estudantes que devem se servir do escritório
para a sua formação profissional. Muitas vezes, o estagiário não
aprende na faculdade, pois os cursos são muito precários, com
professores sem a formação adequada para ministrar a matéria.
Você é a favor ou contra o exame da Ordem dos Advogados? (Rodrigo Paiva)
se pratica no mundo todo. A faculdade não forma advogados, forma
bacharéis em Direito, e esse é um dos requisitos, o principal, para se
adquira a condição de advogado. O exame de Ordem é uma prova a que se
submete o bacharel para saber se ele possui os conhecimentos
elementares ao exercício da profissão. O que o exame miseravelmente
mostra é a precariedade do ensino e da formação jurídica dos
candidatos. E dessa precariedade não se pode excluir uma culpa do
estudante, que não se entrega aos estudos. O estudante é vítima da
precariedade sim, mas ele tem que superar isso.