Da favela para o mundo: ANF há 19 anos fazendo Comunicação Comunitária

As periferias e o povo pobre de qualquer favela do Brasil e do mundo – ao contrário do que o sistema prega e quer fazer a sociedade entender – não são problema. Eles são, na verdade, a solução para uma organização social sólida e bem construída. O difícil é a classe dominante reconhecer a importância do povo da favela e dar a ele o seu devido valor.

Difícil para muitos, mas não para todos. E foi por enxergar as potencialidades da favela e a força do povo que constitui esse tipo de organização social que nasceu, há 19 anos, a Agência de Notícias das Favelas – ANF, a primeira agência de notícias do mundo dedicada a destacar o povo das comunidades, sua cultura, necessidades, conflitos e lutas.

Idealizada pelo jornalista André Fernandes, a ANF ganhou vida em 08 de janeiro de 2001, com o objetivo de democratizar a informação das favelas. Teve início com um portal e, tempos depois, a Agência criou o jornal A Voz da Favela, veículo impresso mensal que já teve 20 mil exemplares. O impresso alcançou em 2019 a marca de 50 mil somente na Região Metropolitana do Rio. E agora, com a sua expansão para o Nordeste – em Salvador e Recife – atinge o número total de 150 mil exemplares/mês.

“O grande diferencial de André Fernandes é enxergar as favelas como potências, com vasto mercado de trabalho, vida cultural efervescente, empreendedorismo na veia, gastronomia de qualidade”, descreve o também jornalista Sérgio Pugliese, orgulhoso do amigo e da própria ANF, da qual é membro do conselho diretor ao lado de Fernandes e da publicitária Renata Duarte.

Esse é só o começo da história e trajetória da Agência de Notícias das Favelas. Incansável na luta por igualdade social e inspirada pela força do povo da favela, a ANF coleciona pioneirismos. Foi a responsável por realizar, no ano de 2017, o Primeiro Encontro Latinoamericano de Comunicação Comunitária (ELACC) e, no ano passado (2019), criou o Prêmio ANF de Jornalismo, um evento para reconhecer a importância da Comunicação Comunitária e premiar os veículos e comunicadores atuantes no Rio de Janeiro.  Entretanto, a ANF já planeja que a premiação seja nacional.

Olhando assim, uma realização após outra, parece simples colocar em prática um sonho, torná-lo realidade. Só parece. Tanto que o próprio idealizador se espanta e se admira com cada degrau avançado. “Quando olho para trás me pergunto: como chegamos aqui? O que me vem na mente são centenas de rostos e a lembrança de cada um que ajudou a construir nossa história. Quando olho para frente vejo milhares de pessoas em todo o mundo construindo juntos um mundo melhor”, explica Fernandes, encantado com a possibilidade de promoção social que a ANF ajuda a provocar.

A ANF marca presença no encontro do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom), em outubro de 2019. Foto: Bruno Vieira / ANF.

Uma das características mais importantes da Agência é que ela não se propõe, puramente, a ser a voz dos moradores: ela é o instrumento através do qual o povo da favela faz a sua voz ecoar pela cidade e leva a sua visão de mundo e sociedade para o asfalto. Por meio da agência, histórias são contadas pelos próprios moradores, que expõem suas denúncias, indignação e lutam por aquilo que acreditam.

Ao longo desses 19 anos, muitas histórias de luta, protesto, superação e, é claro, de sua cultura, foram contadas por meio da ANF. Mas não basta falar aquilo que se pretende levar ao conhecimento da sociedade. É preciso saber como dizer. E, assim, no ano de 2016, a ANF criou a RACC – Rede de Agentes Comunitários de Comunicação – que leva informação e formação a moradores de favelas transformando-os em comunicadores. Nas três capitais por onde circula o jornal A Voz da Favela já foram formados até agora 100 comunicadores. E a Agência não sossega: para 2020 já está tudo preparado para formar novas turmas.

A turma da RACC em Recife, a mais recente capital onde a ANF chegou. Foto: Rennan Peixe.

Hoje, quase duas décadas depois de dar início ao projeto de fazer a favela falar para o mundo, a ANF transformou-se em um grupo: além de jornal imprenso e portal de notícias, ela realiza trabalhos na área de publicidade, criou uma editora, é realizadora de eventos, apoiadora de projetos e produtora de documentários. Tudo com foco na favela. Mas, o tudo ainda era pouco. Falar sobre pontos de vista do que se passa na favela não bastava. Não bastava retratar de forma pessoal a realidade da favela. Faltava algo.

Era preciso um dado oficial, um registro, uma estatística. Faltava. Não falta mais.

Também em 2019, nasceu o Data ANF, um instituto focado nos hábitos e consumos dos moradores das favelas, suas necessidades e carências. Um instituto que surge para suprir uma necessidade que somente quem enxerga a importância da favela poderia se propor a realizar. Já na sua primeira pesquisa, O Data ANF realizou levantamento sobre a abrangência dos serviços oferecidos por aplicativos de celular que abrangem toda a cidade, mas que enxergam fronteiras entre favela e asfalto e, por isso, rejeitam traspor esse muro separatista invisível. A pesquisa inédita foi divulgada com destaque em importantes veículos da imprensa fluminense.

Por tanto que a ANF busca realizar em favor da favela e de seu povo, a Educação – adubo indispensável para o crescimento e mobilidade social –  é uma área que não poderia ser ignorada pela Agência. Assim, em 2017 a ANF iniciou seu 1º curso pré-vestibular voltado para moradores de favelas com aulas sempre ministradas professores voluntários.

Por toda essa atuação a ANF vive recebendo prêmios e reconhecimento, como a Medalha Tiradentes, concedida pelo Governo do Estado por relevantes serviços à causa pública do Rio de Janeiro; e a Medalha de Mérito Pedro Ernesto, homenagem concedida pela Câmara Municipal do Rio.

Que venha 2020! Que venham mais décadas de vida da ANF! Que venham desafios, histórias e lutas do povo da favela. Pois a ANF estará sempre disposta encarar novas jornadas e projetos, divulgar as comunidades fazendo o povo ter vez e deixar A Voz da Favela ecoar em cada canto do mundo.