A campanha “O Brasil não pode parar” expõe um velho retrato do país: enquanto os barões se alocavam em suas confortáveis casas de alvenaria, os escravos sobreviviam em subcondições de trabalho e sob contínuo tratamento vexatório. Este era o verdadeiro preço da riqueza: o sacrifício dos desprivilegiados.
A abolição da escravatura pôs fim a escravidão, mas foi o ponto de partida para as lavouras modernas. Segundo os dados do SIS ( Síntese de Indicadores Sociais ) publicado pelo IBGE em 2019, as mulheres são a maior taxa de informalidade nos serviços domésticos com 73,1% e 74,6% na agropecuária. Já os homens ocupam altas taxas de informalidade na agropecuária e na construção com 65% e 64,8% respectivamente.
Outro recorte que reflete nossa desigualdade histórica são os números de trabalhadores informais de acordo com raça/cor, 47,3% dos ocupantes de trabalhos informais são pretos ou pardos contra 34,65% de trabalhadores brancos e entre os 10% com menores rendimentos, fica a população preta/parda com 75,2%, e com maiores rendimentos as população branca com 70,6%.
Revisitando a Gripe Espanhola que atingiu o mundo em 1918, encontramos grandes similaridades tanto nas medidas tomadas por autoridades médicas para o enfrentamento da pandemia quanto na recepção destas medidas por parte da população.
“Imperou a visão de que se fazia muito alarde por causa de uma doença corriqueira – uma simples “limpa-velhos”. Uma doença tão pouco conhecida se transformara, naquele ano de 1918, em um grande desafio a ser vencido pela sociedade carioca” (…) “Havia também a dificuldade de contornar toda uma gama de empecilhos sociais, políticos e econômicos, que se traduziam em exigências de quarentenas e isolamentos e que decretavam a inviabilidade de uma sociedade moderna, urbanizada e industrializada que encarava tais estratégias como antinaturais.” (Dossiê Gripe Espanhola no Brasil – Adriana da Costa Goulart-Scielo)
Em uma análise da dissertação de Cláudio Bertolli Filho sobre a Gripe Espanhola, “a gripe se desenvolveu de acordo com o padrão de mortalidade de cada grupo social. Foi especialmente violenta em áreas que apresentavam deficiente estrutura sanitária, como os subúrbios e cortiços espalhados pela cidade, e sobre indivíduos com deficiências nutricionais e de saúde.” Este cenário ainda se repete quando verificamos quais as populações no Brasil que mais sofrem com epidemias já conhecidas no país. Um campo fértil para todas as contaminações, ontem e hoje.
Qualquer tentativa de retomada da economia em plena pandemia coloca em risco a vida de grande parte da população, que por motivos históricos sociais/raciais não será contemplada com atendimento médico e nem financeiro.