O advogado carioca, criado na Favela do Jacarezinho, relatou em 13 tweets detalhes da sua história de vida transformada pela educação.
Ao contar a própria história de vida em 13 tweets, o advogado Joel Luiz Costa, 29 anos, testemunhou sobre o poder transformador da educação. Durante 30 anos, o pai dele, traficante do Morro do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, sonhava ver o filho delegado da Polícia Federal. Para isso, ele o incentivou a estudar direito.
Hoje, Joel é advogado criminal e trabalha pela garantia de direitos humanos, em especial os relacionados à população negra e pobre. O relato nas redes sociais teve mais de 15 mil curtidas e foi replicado 5 mil vezes. A história começa assim:
“Meu pai foi traficante na favela do Jacarezinho durante trinta anos e desde minha adolescência dizia que iria largar o tráfico quando eu me formasse “Doutor”. E assim foi feito, me formei em fev/2012 ele saiu em Nov/2012”
— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“Esse jeito dele “peculiar” que o fez ficar por 30 anos no jaca sem ser preso, condenado. Sim, ele nunca respondeu a 1 processo criminal.
O coroa é inteligente pra caralho.
Mas também é um cara amado na comunidade, foge completamente ao esteriótipo do criminoso novela da globo.”— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“Na minha infância ele tirou a mim e meus irmãos do Jacarezinho e nos levou para morar no interior do estado
C/ medo da violência por parte dos policiais e para que a gente pudesse se concentrar nos estudos. Ser filho de traficante na favela é mtooo bacana o que pode tirar o foco.”— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“Nesse período, como eu mandava bem nos estudos ele foi criando em mim o desejo de ter um filho “Doutor”. Não consigo lembrar quando foi a primeira vez que ouvi isso, sobre seu desejo que eu fizesse direito, fosse doutor e delegado de policia federal. Ouvi muitas e mts vezes.”
— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“Tirar 1 neguinho do morro e colocar em uma das maiores instituições do Estado seria realmente grandioso.
Fiz a faculdade onde morava e ele falava aos quatro cantos que o filho iria se formar “Doutor” assim como fala até hoje que tem um filho advogado.”— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“No mês da minha formatura ele sofreu o pior sequestro da sua vida, ficou 5 dias sequestrado por policiais, com torturas físicas e psicológicas
Por isso não pode ir na minha formatura ☹️ (lágrimas só de lembrar)
E eu não fui na colação de grau para ficar com ele ..foi punk.”— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“Dps que ele saiu foi trabalhar no Afroreggae e morar nessa cidade eu vim para o RJ, o desejo pela advocacia criminal surgiu naturalmente.
Além d ser gostoso é onde vejo que + posso ajudar meu povo preto e favelado, pois na nossa liberdade é onde o Estado mais nos ataca.”— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“De advogar “pra bandido” a militância defendendo os direitos humanos e participar do movimento de favelas foi tudo consequência natural
Pra mim essas atividades se confundem
De modo que advogo como hobby e milito como trampo e vice-versa
Militar realmente é verbo.”— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“Hj represento o Jaca no Movimento de Favelas, Advogo para o Fórum Grita Baixada, REFORMA e colunista da @noticiasfavelas
Sou advogado criminal do jacarezinho onde tenho meu escritório
aprendi a tempo que soltar bandido é melhor que prender
Até pq, todo crime é político!”— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
“Meu pais sempre falou “eu to aqui para pagar os estudos de vocês,porque a educação é uma herança que ninguém pode tirar dos meus filhos” (que homi)
“E hj vejo que a diferença entre eu meus clientes foi o acesso a educação
Possibilitada por um pai traficante de drogas.”— Marighella PJL (@Joelluizc) November 8, 2018
Até a publicação dos tweets, pouca gente sabia da história familiar de Joel.
“Decidir contá-la foi uma construção de longo tempo. Antes tinha medo de como as pessoas iriam lidar, vergonha, questão de segurança. Fiquei muito tempo trabalhando isso dentro de mim”, relatou Joel, em entrevista ao Metrópoles.
Somente após se compreender enquanto homem negro, favelado e estudar sobre as implicações sociais dessa vivência, ele se sentiu à vontade para tornar pública sua trajetória. “Respeito a minha história. Antes eu era só o Joel, advogado da Zona Norte, hoje, faço questão de dizer quem sou onde chego, isso me engrandece”, afirma.
A mensagem principal que o advogado desejava passar é que só a educação salva. “A diferença entre eu e meus clientes (*pessoas pobres, negras que cometeram crimes) é o estudo. Por isso sou chamado de doutor e eles continuam sendo tratados como mais um neguinho. Somos pretos, saímos do mesmo buraco, tivemos as mesmas dificuldades no início da vida”, diz.
Joel também quis desfazer a dicotomia entre bem e mal que predomina em uma sociedade onde o estereótipo do bandido é alguém “pobre, de bermuda e chinelo”.
“Tem uma música dos anos 90 que diz: nem sempre a maldade humana está em quem porta um fuzil, tem gente de terno e gravata matando o Brasil acima de tudo. Em tempos de Lava Jato é importante deixar isso claro”, explica.
“Estudar no Brasil ainda é um privilégio e isso salvou a minha vida, me salvou de entrar pro tráfico“
O criminalista é criador do Núcleo Independente e Comunitário de Alfabetização – Jacarezinho (Nica), voltado para alfabetização de idosos. “Nica era o apelido da minha avó, que não sabia ler e escrever. Ela ajudou a me criar e eu via as dificuldades que ela passava”, afirma.
O advogado também organiza um cursinho comunitário voltado para quem deseja fazer vestibular. “Quero usar o meu privilégio a favor da favela, para que essas pessoas possam viver em plenitude”, diz.
Joel relatou já ter recebido convite para transformar o enredo da vida real em filme e livro. O pai dele, hoje com 55 anos e vivendo no Rio de Janeiro, ainda não foi consultado sobre a possibilidade.
Ele também é colunista do site Agência de Notícias das Favelas (ANF), onde se apresenta como “advogado criminalista, favelado e pai de casal. Apaixonado pelo Flamengo, Jacarezinho e Estação Primeira de Mangueira.”
*Matéria da Jornalista Leilane Menezes ao site Metrópolis