Defensoria aponta falhas que incriminam polícia no caso João Pedro

João Pedro, o menino morto pela polícia - Foto da família

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro aponta pelo menos seis irregularidades graves na apuração da morte de João Pedro Mattos Pinto, o garoto de 14 anos vítima de ação policial conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil do estado em São Gonçalo, no dia 18 do mês passado.

1 – No mesmo dia da morte de João, uma menina de 15 anos que estava na casa foi conduzida por policiais à delegacia de homicídios da região em um caveirão (carro blindado) para depor. Segundo os defensores, o delegado nomeou a mãe de sua amiga como representante legal, em vez de chamar seus pais. Nesse depoimento, consta que a adolescente declarou ter visto criminosos pulando o muro da casa. Num segundo relato colhido pelo Ministério Público, porém, ela e a mãe da colega disseram que nunca falaram isso à polícia, ainda de acordo com a Defensoria.

2 – Os policiais civis que participaram da ação apresentaram à Delegacia de Homicídios naquele dia três granadas (não detonadas) como provas de que traficantes teriam pulado o muro. O delegado responsável então designou o próprio agente para levar esses artefatos até a perícia, como já havia revelado o jornal Extra. As granadas foram para o Esquadrão Antibombas (EAB) da Core — coordenadoria da qual os agentes investigados fazem parte. Questionada, a Polícia Civil afirmou que todos os laudos de funcionalidade de explosivos apreendidos são realizados pelo órgão.

O EAB concluiu que duas das granadas eram de fabricação caseira e uma era de fabricação industrial, que elas estavam íntegras e que tinham poder de detonação. Depois, decidiu destruir os artefatos, alegando risco no manuseio, transporte e armazenamento.

“Essa não é uma prática normal. Inclusive sabemos que institutos de perícia têm locais para armazenamento de munição apreendida. Não houve nem um pedido de autorização à Justiça ou ao Ministério Público para que elas fossem destruídas”, diz a Defensoria Pública.

3 – Os três policiais civis investigados mudaram as versões que deram sobre as armas que usaram e a quantidade de tiros que dispararam do helicóptero e após o desembarque na casa, conforme também havia revelado o Extra. No depoimento inicial, logo após a morte, eles afirmaram ter dado 23 tiros somados. Uma semana depois, quando a perícia constatou que o calibre que atingiu João era o 5,56 mm, porém, declaram ter disparado no total 64 vezes. Um dos agentes admitiu, no segundo relato, que também atirou com um fuzil desse calibre. Antes ele dissera que só havia usado um fuzil 7,62 mm. Ele alegou que só percebeu o erro após voltar para a base e contar os cartuchos que haviam sobrado.

Ainda segundo o Extra, dois dos agentes investigados —Mauro José Gonçalves e Maxwell Gomes Pereira— já responderam por alterar a cena de um crime durante uma operação na Favela do Rola, na zona oeste do Rio, em 2012, mas acabaram absolvidos.

4 – Após ser baleado, João Pedro foi levado em um helicóptero da Polícia Civil para uma base aérea a 18 km de distância (em linha reta), na zona sul do Rio. Segundo os Bombeiros, que declararam o óbito por volta das 15h, o menino já chegou ali morto.

A família diz que foi impedida de embarcar junto e que ficou até a manhã seguinte sem informações. Para a Defensoria, a remoção causa perplexidade: “Há um elemento objetivo que indica de maneira muito forte que o João não estava vivo. Ele foi atingido por um projétil 5,56 mm, de arma longa, com alta energia cinética e um potencial de destruição enorme. Ele perfurou órgãos vitais, como pulmão e coração, de um menino de 14 anos. Muito provavelmente ele não sobreviveu mais do que alguns segundos”.

Segundo o defensor Daniel Lozoya, a polícia alegou que existia um protocolo para levar policiais feridos para aquela base, que fica perto do Hospital Miguel Couto, mas esse documento não foi apresentado até agora.

5 – Para a Defensoria, houve graves problemas de preservação do local do crime. Uma perícia foi feita na casa no mesmo dia da morte de João, mas deixou para trás diversos objetos que podem ser usados como provas, como um pino de granada que ficou no quintal.

A família conseguiu guardar vários elementos de prova, que serão entregues ao Ministério Público. O laudo pericial do local já foi concluído pela Polícia Civil e foi recebido na noite desta quarta-feira, 3, pela Defensoria, que não deu detalhes do que o documento diz.

Há ainda dúvidas sobre os celulares que foram apreendidos naquele dia. A família diz que os aparelhos de três dos jovens sumiram, incluindo o de João Pedro, mas a polícia diz que só apreendeu dois.

6 – A Delegacia de Homicídios da região de São Gonçalo marcou uma reprodução simulada da morte para a próxima terça, 9, mas a Defensoria considera a decisão precipitada e vai pedir o adiamento, já que ainda não foram concluídos todos os laudos e depoimentos. Segundo ela, ainda faltam o laudo de confronto balístico, os laudos de balística das armas e munições dos policiais e os depoimentos dos agentes ao Ministério Público. Também é necessário analisar o laudo de local concluído recentemente e as provas que a família deve fornecer ao MP nesta quinta.

Questionada, a Polícia Civil afirmou que o laudo de confronto balístico deve ficar pronto até o final da semana.

(A partir da reportagem de Júlia Barbon na Folha de S. Paulo)