Deixa a favela estudar

Placa colocada no telhado do projeto Uerê, na Maré. Imagem. Reprodução Internet.

É comum nos debates sobre possibilidades de construção de um Brasil próspero e desenvolvido aparecer o argumento de que a principal saída para o país é educação de qualidade. Acontece que em um país desigual e estruturado pelo racismo institucional milhões de crianças negras e faveladas são impedidas de acessar a escola por diversos motivos do cotidiano das favelas.

Na cidade do Rio de Janeiro, em que um terço da população mora em favelas, esse problema se acentua. Neste ano de 2020 o ano letivo do município teria início na última segunda (03/02), porém precisou ser adiado para esta quinta (06/02) pela grave crise hídrica que afeta não só a cidade do Rio de Janeiro como toda a região metropolitana, crise esta oriunda de um processo de sucateamento da empresa pública de fornecimento de água (CEDAE), que está na iminência de ser privatizada.

Porém, nesta última quinta, os estudantes das escolas do Jacarezinho foram novamente impedidos de estudar por conta de um problema recorrente nas favelas cariocas: incursões policiais no horário de aula. Caveirões e helicópteros aterrorizaram mais uma vez. Moradores, professores e alunos tiveram seu direito à educação novamente negado.

Essa prática da Política Militar do Estado do Rio de Janeiro é uma realidade trágica e antiga, que afeta cotidianamente as favelas cariocas. Já em 2017, Raull Santiago, morador do Complexo do Alemão e membro do Coletivo Papo Reto, denunciou em um texto o que ele chamou de “Operação Cancelamento da Volta às Aulas”. Em 2018, em uma dessas operações, tivemos o assassinato do jovem Marcos Vinícius da Silva, 14, baleado a caminho da escola no Complexo da Maré. A plataforma Fogo Cruzado registrou 6059 tiroteios até 31 de setembro de 2019, dos quais 30% ocorreram em horário escolar afetando 1300 escolas.

Além da falta de água e dos tiroteiros constantes, são diversos os motivos que interferem no processo de aprendizagem de jovens favelados, alguns que não são tão perceptíveis. Os favelados contam com outras adversidades para terem acesso aos estudos, como as condições econômicas. O Vereador e Presidente da Comissão da Criança e do Adolescente Leonel Brizola Neto (PSOL), por exemplo, apresentou dois Projetos de Leis na Câmara Municipal que tem como finalidade combater a evasão escolar. O Projeto de Lei 6502/2019 obriga o Poder Executivo a custear um par de tênis como parte do uniforme escolar dos alunos da Rede Municipal de Ensino. Já o Projeto de Lei 798/2018 institui o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas da Rede Municipal de Ensino. Em ambos os casos, a situação econômica interfere diretamente no acesso à educação. Algumas jovens, segundo estudos, perdem em média 45 dias letivos por não terem dinheiro para comprar absorventes durante seu ciclo menstrual.

O episódio de hoje no Jacarezinho é mais um reflexo do racismo estrutural e do genocídio sofrido pela população negra e favelada brasileira, que bravamente resiste e cada vez mais se organiza para sobreviver.