Causaram espanto as revelações do empreiteiro e réu na Operação Lava Jato Marcelo sobre o destino de propinas a milícias do Rio e guerrilhas armadas. O herdeiro do Grupo Odebrecht, uma das maiores construtoras do país, afirmou em depoimento à Polícia Federal que o departamento da empresa que cuidava exclusivamente do molha-mão (!) pagou para atuar em áreas sob domínio de organizações paramilitares na América Latina, Oriente Médio e também no Rio de Janeiro. Mas é importante frisar que esse assombro veio apenas do asfalto. Nada disso nunca foi novidade para quem vive por aqui, e cada vez mais se desenha enquanto verdade os muitos boatos que ligavam capital, polícia e política na ocupação das favelas.
Sempre correu à boca miúda sobre como se dão as relações perigosas entre polícia, narcotráfico e milícia. Nada disso é mistério. No império fluminense de Sérgio Cabral, o relacionamento alcançou um novo nível com a implantação das UPPs. Na segunda metade dos anos 2000, estes episódios claramente farsescos trouxeram para as telinhas e bancas de jornal verdadeiros “shows de civilidade” na ocupação militar das favelas. A grande mídia, que abraçou o projeto desde início e agora pula do barco como se não tivesse sido alçada a madrinha do fracassado projeto, estampava nas manchetes a entrada da PM e da Força Nacional em áreas historicamente violentas, como Complexo do Alemão e Jacarezinho, frisando sempre a forma pacífica com que tudo isso se deu “sem nenhum tiro disparado”.
Ora, ora… A cada nova revelação, este teatro dos vampiros, que teve direito a close em rede nacional, soa mais óbvia – ainda que já fosse desde o início. Ou alguém acreditou mesmo que milicianos e traficantes de drogas, que há anos têm por ímpeto resistir a invasões das forças policiais, simplesmente abandonariam seus postos diante da grande ameaça da implantação de frágeis contêineres da PM em áreas estratégicas de seus próprios territórios? Nada disso jamais fez qualquer sentido para qualquer um com o mínimo de senso crítico ou vivência de favela.
Surpreende que isso seja, de fato, tratado, como fato inédito, já que as relações nefastas entre o Estado policial e o empresariado são de conhecimento público há tempos. É o caso do “trocado” de R$ 20 milhões que as empresas de Eike Batista ofereciam às UPPs anualmente, amplamente noticiado na grande mídia. A realização do superfaturado PAC das favelas e a entrada das grandes empresas nas comunidades – não apenas construtoras, mas também de serviços de telefonia, internet e TV a cabo, por exemplo – só seria possível com essa salvaguarda. Ou seja, só comprou este equívoco quem possuía interesses no sucesso da farsa ou os iludidos sem qualquer noção do que se passa aqui. Não existe almoço grátis.
A descoberta dos esquemas criminosos do ex-governador Sergio Cabral prova: quem paga mais leva. Ainda há muito por vir à tona. Enquanto isso, do lado de cá, seguimos apenas acumulando corpos e prejuízos.